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Afinal, e-sports são práticas esportiva ou entretenimento?

Imagem ilustrativa. (Foto: Unsplash)

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A ministra do Esporte, Ana Moser, nos primeiros dias do seu mandato, afirmou que os esportes eletrônicos, também conhecidos como e-sports, não terão prioridade e, portanto, não serão foco de políticas públicas no atual governo. De acordo com ela, os e-sports não são uma prática esportiva, e sim, entretenimento. Como já esperado, sua fala foi ao centro de uma das polêmicas mais atuais no mundo desportivo e na sociedade de uma forma geral.

Inicialmente, é importante observar que o entendimento do atual governo de que precisamos de políticas públicas para o esporte e que o esporte brasileiro precisa ser valorizado é um grande passo e isso se mostra na refundação do Ministério do Esporte. A escolha de Ana Moser como ministra é, também, louvável por ela ser uma inegável e inquestionável referência no assunto.

Dentro desse contexto de novo governo e de priorização de políticas públicas para o esporte, o próprio debate que surge sobre essa questão ocorre dentro do contexto democrático, em que a população tem a liberdade de discutir assuntos diversos. Nesse sentido, a fala da ministra e as reações de setores conectados com os e-sports faz parte do processo democrático são saudáveis e louváveis. No entanto, especificamente sobre a fala da ministra, a respeito dos esportes eletrônicos não serem vistos com práticas desportivas, serem somente atividades de entretenimento, eu discordo.

A minha discordância começa pelo ponto de vista da nomenclatura e do impacto negativo que isso pode causar para todo o segmento. Já existem diversos estudos que analisam o fenômeno dos e-sports. E nesses estudos acadêmicos -- de ciências do esporte, de comunicação esportiva, área na qual eu inclusive atuo e de outras -- há o entendimento de que sim, os esportes eletrônicos são um fenômeno novo, em mutação, e que mostram uma faceta contemporânea da cultura esportiva em constante transformação.

Assim como hoje os esportes eletrônicos são questionados, houve uma época em que o vôlei de praia era questionado (anos 70/80), para dar um exemplo mais recente. Mas historicamente até o futebol, no início do século XX, tinha seus críticos na sociedade brasileira. Ou seja, a evolução da cultura provoca debates na sociedade e as práticas de e-sports são uma nova dimensão disso.

Do ponto de vista teórico, os e-sports têm muitas das características que os configuram como atividades de natureza desportiva. Por exemplo, o fato de que os jogos eletrônicos se diferenciam da dimensão de “videogames” -- atividades de lazer e de cunho doméstico, sem objetivo algum além da diversão. Já os e-sports -- como o League of Legends (LOL), Counter Strike (CS), Free Fire, entre outros -- quando jogados sobre o paradigma da competitividade, com atletas (pro-players) dedicados e com treino regular, com torcidas e campeonatos estruturados com regras unificadas e entidades reguladoras, já mostram algumas das maiores características do que se constitui como identidade esportiva.

A questão que coloco diante disso tudo é a absorção dos esportes eletrônicos pelo estruturado sistema tradicional do esporte. O fato de diversos jogos serem administrados por empresas cria uma dificuldade para, por exemplo, entrar num programa olímpico, submetido ao Comitê Olímpico Internacional (COI). Além disso, jogos de tiro têm características violentas, o que leva a legítimos questionamentos de simbologias por parte da sociedade. Enfim, há uma série de polêmicas que envolvem o universo dos esportes eletrônicos, mas isso não impede que eles sejam de fato um fenômeno na sociedade, movimentando muito dinheiro e atraindo fortemente o interesse das novas gerações e até de pessoas mais veteranas.

Saliento que, na minha opinião, o governo deve focar no esporte tradicional nesse momento. Sabemos que o esporte sofre com pouco investimento -- ainda mais, no contexto atual do Estado brasileiro, que precisa focar na sua dívida com a redução da desigualdade social. Por isso, quando a ministra Ana Moser diz que as políticas públicas do esporte devem ser para o esporte tradicional, para esporte de inclusão, para esporte educacional e que atenda as demandas da sociedade brasileira, não tenho discordâncias.

Porém, acho equivocado e digno de debate o Ministério do Esporte não reconhecer os e-sports como práticas esportivas. Isso me parece um erro, pois cria problemas na visibilidade desse movimento crescente. Atletas representando o Brasil no exterior não poderiam ter acesso a visto específico para esse tipo de situação, tendo que viajar como turista ou visto de trabalho, por exemplo.

Outro simples exemplo do problema do não reconhecimento passa pelo fato de que leis de incentivo ao esporte não poderiam avaliar projetos que pensem ações em comunidades carentes a partir de atividades de esportes eletrônicos e contando com apoio de empresas, a partir de subsídios (o que não seria dinheiro público direto, mas sim renúncia fiscal). Neste caso, por exemplo ações relevantes e que poderiam impactar positivamente a ideia de promoção da cidadania seriam prejudicadas.

No atual momento do Brasil, não defendo que o Estado deva investir nos e-sports. Contudo, cabe aos governantes promover debates na busca de regulamentações sobre o assunto e, a partir daí, estabelecer critérios. Como essa modalidade tem muito apelo de mercado, muitas empresas investem e tem muitos fãs engajados, não vejo necessidade de o Estado colocar dinheiro, mas cabe sim a ele, enquanto promotor de políticas públicas, propor um debate mais aberto ao invés de excluí-lo. Além do mais e no paradigma do atual governo, cabe ao ministério aproximar-se dessa comunidade e envolve-la em debates e reflexões com um grupo maior de pessoas para que surja de fato diretrizes sobre quais seriam os melhores caminhos para a evolução do assunto.

Concluo dizendo que acho que a ministra não foi muito feliz na forma como colocou a questão, mas agradeço a ela por contribuir para agendar um debate pertinente e que espero continue sendo feito daqui para frente pelo bem dos esportes e dos esportes eletrônicos. Para todos e todas que amam a cultura esportiva, a mistura das atividades mais tradicionais (como o nosso amado futebol) com as recém-chegadas ao mundo competitivo (e isso vai além dos esportes eletrônicos, pois envolve também novas modalidades do universo urbano, das competições etc.) reforçam a ideia de que o ser humano ama praticar o desporto e, nesse ato de amor, modifica-o constantemente, criando novos jeitos de realizar esse sentimento. Nas modalidades mais consolidadas ou em novas formas de realizar esse sentimento, o que vemos é a humanidade buscando encontrar formas de se relacionar e construir um mundo melhor e mais solidário. O esporte é sempre melhor que guerras e conflitos violentos e, inegavelmente, umas das formas mais belas de motivar e inspirar novas gerações à prática da cidadania e da civilidade. Acredito que é para isso que a cultura esportiva serve e, para lutar por isso, aposto que o Ministério do Esporte, pautando assuntos pertinentes à área, será um agente fundamental daqui para frente.

Anderson Gurgel é doutor em Comunicação e Semiótica, com estudos sobre Simbolismos do Esporte e Cultura na Comunicação e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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