Vista da sede da ONU da cidade de Long Island, em 12 de novembro de 2022.| Foto: UN Photo/Manuel Elías
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Em visita à Espanha no dia 26 de abril de 2023, o presidente Lula disse: “A ONU era tão forte que, em 1948, conseguiu criar o Estado de Israel. Em 2023, não consegue criar o Estado palestino”. Essa frase ignorante tem tantos erros históricos que pode até servir para explicar algumas lições da História. Vejam a cronologia dos fatos:

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1) Depois de 70 milhões de mortos na Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada por 51 países fundadores em outubro de 1945 como um fórum para a paz. Hoje a ONU tem 193 países membros. A recente invasão da Ucrânia pela Rússia demonstra que a ONU ainda não conta com mecanismos eficientes para impedir uma guerra.

A ONU foi desenhada fraca e continua fraca conforme seu desenho original.

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2) A ONU nunca foi “forte”, simplesmente porque não pode interferir na soberania dos países que a criaram. A ONU foi desenhada “fraca” para apoiar países, quando solicitada. A ONU reflete no seu funcionamento todas as peculiaridades, erros e desequilíbrios da geopolítica internacional. Isso não é culpa da ONU como instituição, mas de seus países membros que sempre tentam usá-la segundo seus interesses políticos.

3) No dia 29 de novembro de 1947, a ONU adotou a Resolução 181 (também conhecida como Resolução da Partilha) que dividiu o antigo território controlado pela Grã-Bretanha em dois Estados: um judeu (que virou Israel) e um árabe (que continuou sendo Egito e Jordânia) – sendo que 33 países votaram a favor, 13 países contra e 10 países se abstiveram. Isso funcionaria a partir de maio de 1948, quando o mandato britânico terminaria.

O Brasil precisa entender que parte da “fraqueza” da ONU é justamente a sua incompetência para julgar governos e políticos.

4) No dia 14 de maio de 1948 Israel declarou sua independência. No dia seguinte, o pequeno e recém-criado país foi imediatamente invadido pelos exércitos do Egito, Iraque, Jordânia, Líbano e Síria. O espírito dessa invasão foi resumido pelo Sheikh Hassan el-Bana, chefe da Irmandade Muçulmana: “Se o Estado judeu se tornar um fato, e isso for percebido pelos povos árabes, eles expulsarão os judeus que ali vivem para o mar”.

5) Consequentemente, o que alguns chamam de “Guerra de Independência” na verdade foi uma guerra de sobrevivência para Israel, que saiu vitorioso e percebeu a importância de fortalecer suas forças armadas e serviços de inteligência.

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A ONU não é a polícia do mundo. A ONU não funciona como o STF do mundo. E se a ONU não existisse ela precisaria ser inventada.

6) A partir disso, o Egito controlou a faixa de Gaza e a Jordânia controlou a Cisjordânia até 1967, quando Egito, Síria e Jordânia invadiram novamente Israel. Esses países foram derrotados na chamada “Guerra dos Seis Dias”, a partir da qual Israel controlou esses territórios. Israel devolveu Gaza para o Egito em 2005. Em 2007, combatentes do Hamas assumiram  à força o controle da Faixa de Gaza e eliminaram os oficiais do Fatah. Hoje, os palestinos do Hamas controlam a Faixa de Gaza, enquanto os palestinos da Fatah controlam a Cisjordânia.

De tudo isso, algumas conclusões chave: a ONU foi desenhada fraca e continua fraca conforme seu desenho original. O desenho do Conselho de Segurança da ONU mostrou-se insuficiente para impedir novas guerras; a ONU não “cria” países. Os países membros da ONU votam e aceitam (ou não) novos países.

A ONU tem uma má reputação no Brasil também pela forma como tem sido usada por alguns políticos brasileiros. Por exemplo, em 2022 Lula fez uma “denúncia” ao Comitê de Direitos Humanos da ONU pela forma como teria sido julgado no Brasil. A CNN Brasil concluiu sobre isso que “Lula erra ao dizer que foi absolvido pela ONU e pela Justiça do Brasil”.  E corretamente explica: “O Comitê de Direitos Humanos da ONU não tem jurisdição para absolver ou condenar um indivíduo”.

O Brasil precisa entender que parte da “fraqueza” da ONU é justamente a sua incompetência para julgar governos e políticos. A ONU não é a polícia do mundo. A ONU não funciona como o STF do mundo. E se a ONU não existisse ela precisaria ser inventada. Não temos nenhuma outra instituição funcionando como Fórum Global para assuntos de paz, segurança, ajuda humanitária, justiça, desenvolvimento, saúde, trabalho, educação, pobreza, meio ambiente, indústria, comércio, aviação, uso do espaço para fins pacíficos, cidades, energia, entre outros assuntos de interesse intergovernamental.

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A ONU continuará a existir enquanto a maioria de seus países membros quiser, mesmo que alguns governos tentem sistematicamente distorcer seu significado para ganhos mesquinhos de curta duração.

Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como Conselheiro Sênior para inovação e gestão pública da ONU em Nova York. 

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]