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Criticar os tributos e a carga tributária no Brasil parece ter se transformado numa espécie de consenso geral. Não há quem não defenda a necessidade de uma reforma tributária. O senso comum, que se molda a partir da repetição constante de frases de efeito e chavões, parece estar convencido de que a carga tributária brasileira é muito elevada e de que qualquer reforma é melhor do que nenhuma. Será?

Atribuir ao tamanho da carga tributária a origem de todos os males parece ser apenas uma estratégia para retirar o foco do verdadeiro problema do sistema tributário brasileiro: a sua profunda regressividade, ou seja, sua distribuição injusta entre as distintas classes sociais, fazendo com que os mais pobres acabem pagando mais tributos que os mais ricos, proporcionalmente às suas rendas.

O que determina a equidade de um sistema tributário é a forma como o conjunto de tributos afeta a renda de cada um e de cada classe social. Apesar da complexidade e da diversidade dos tributos existentes, de fato, em seu conjunto, eles incidirão sempre sobre renda, patrimônio ou consumo. Enquanto os dois primeiros são considerados tributos de incidência direta, pois afetam as pessoas que têm renda e patrimônio, os tributos sobre o consumo são de incidência indireta, pois são sempre transferidos para os preços dos produtos e pagos pelos consumidores.

A tributação tem uma importância fundamental como instrumento para a redução das desigualdades sociais

Assim, enquanto em seu aspecto quantitativo a tributação tem como função primeira prover os recursos suficientes para financiar as políticas públicas, em seu aspecto qualitativo a tributação tem uma importância fundamental como instrumento para a redução das desigualdades sociais. Convém lembrar que este é um dos objetivos fundamentais previstos no artigo 3.º da Constituição Federal, o que se materializaria, na tributação, pelo respeito à capacidade contributiva.

Antes de analisar a qualidade da tributação, é relevante tecer alguns comentários sobre o tamanho da carga tributária. Os tributos servem para financiar os bens e os serviços públicos e estes existem para concretizar direitos. Assim, uma sociedade que tenha decidido garantir e universalizar direitos sociais terá necessariamente uma carga tributária maior que outras que preferem o contrário. A Dinamarca, por exemplo, que é um típico Estado de bem-estar social, tem carga tributária superior a 50% do PIB.

Os constituintes de 1988, com inspiração nas constituições europeias, estabeleceram que o Brasil seria um Estado de bem-estar social, que promoveria proteção social, educação e outros serviços básicos de forma universal. Tendo como parâmetros os países da OCDE, percebe-se que a carga tributária brasileira (de aproximadamente 34% do PIB) é inferior à média daqueles países. Suécia, França e Itália, por exemplo, têm cargas superiores a 40% do PIB.

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E antes que se cogite estabelecer comparação entre os serviços públicos dos distintos países como argumento para defender a redução da carga tributária, é importante perceber que a capacidade para políticas públicas não é dada pela carga tributária, mas pela quantidade de recursos por habitante que a arrecadação proporciona ao Estado. Os 34% do PIB representam cerca de US$ 4,1 mil por habitante por ano, capacidade quatro vezes inferior, por exemplo, à obtida pelo Reino Unido, que, com uma carga tributária semelhante, dispõe de mais de US$ 13 mil por cidadão. Mesmo o Japão, com carga tributária em torno de 27% do PIB, consegue arrecadar mais de US$ 10 mil por cidadão. Portanto, reduzir tributos não parece ser o caminho para melhorar a qualidade dos bens e serviços públicos – pelo contrário, significa apenas reduzir ainda mais a capacidade do Estado.

Se o tamanho da carga não é o problema central, o mesmo não se pode dizer de sua distribuição. A carga tributária brasileira é composta predominantemente por tributos que incidem sobre o consumo, representando mais de 50% de tudo o que se arrecada. Temos, por exemplo, o ICMS, o ISS, o IPI, a Cofins, o PIS, além de outros que incidem sobre o faturamento, como o IR Lucro presumido e o Simples. Os tributos que incidem sobre a renda representam menos de 20% do total e os tributos sobre patrimônio não chegam a 4%.

Como o maior peso da tributação é transferido para os preços dos produtos, isso significa que as pessoas de baixa renda, que gastam toda ou a maior parte de sua renda no consumo, acabam pagando muito mais tributos, proporcionalmente a suas rendas, do que aquelas que gastam apenas parte da renda no consumo. Com a baixa participação da tributação sobre a renda e sobre o patrimônio no bolo total da arrecadação, as parcelas mais ricas da sociedade acabam arcando com uma carga tributária bem menor.

O sistema tributário brasileiro é um fator de aprofundamento das desigualdades sociais

Quando comparamos a distribuição da carga tributária brasileira nas bases consumo, renda e patrimônio com os países da OCDE, percebemos que o Brasil figura entre os países com menor carga sobre a renda, mas com maior carga sobre o consumo. Nos EUA, por exemplo, a carga tributária sobre renda é de quase 50% do total arrecadado, enquanto no Brasil é cerca de 20%. A tributação sobre o patrimônio, que nos EUA representa cerca de 11%, no Brasil não passa de 4% do total. Nos países que compõem a OCDE, o imposto de renda das pessoas físicas representa em média cerca de 8% do PIB; no Brasil, não passa de 2,7%, o que é explicado em grande parte pelo tratamento não isonômico dado às rendas do trabalho e do capital, pois, enquanto as rendas do trabalho são tributadas na tabela progressiva a alíquotas que variam de 7,5% a 27,5%, os lucros e dividendos distribuídos são isentos deste imposto.

Esta configuração da carga tributária brasileira, com incidência preponderante nos tributos indiretos em detrimento da tributação sobre patrimônio e renda, transforma o sistema tributário brasileiro em um fator de aprofundamento das desigualdades sociais. Isso fica evidente no Comunicado Ipea 92/2011, que demonstra, entre outras coisas, o efeito perverso produzido pela tributação indireta na elevação da desigualdade de renda. Outro estudo do Ipea (Comunicado 22/2009) revela que as pessoas com rendas entre um e dois salários mínimos gastavam, em 2009, em torno de 53% de sua renda em tributos, enquanto aqueles com renda superior a 30 salários mínimos gastavam menos de 30% em tributos.

Assim, qualquer discussão sobre reforma tributária não pode ficar pautada pela superficialidade da crítica, quase dogmática, ao tamanho da carga, sem levar em conta o modelo de Estado que interessa à sociedade, mas deve, sim, avançar no debate sobre a capacidade contributiva e sobre os conflitos acerca de quem deve arcar com a maior parte dos custos do financiamento das políticas públicas em um Estado pautado pelo princípio da solidariedade.

Dão Real Pereira dos Santos é auditor-fiscal da Receita Federal e diretor de Relações Institucionais do Instituto Justiça Fiscal.
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