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| Foto: Miguel Schincariol/AFP

O ex-presidente Lula pode ser considerado inelegível, impedido de solicitar registro de candidatura, impossibilitado de realizar atividades de campanha e ser excluído de pesquisas eleitorais? Não. A resposta foi corretamente dada pela ministra Rosa Weber, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), depois da análise do pedido judicial formulado por membros do Movimento Brasil Livre (MBL).

A decisão é didática ao destacar que o ex-presidente ainda não foi escolhido na convenção do Partido dos Trabalhadores (PT) e, consequentemente, o pedido de registro de candidatura não foi apresentado. A ministra acrescenta, ainda, que o prazo previsto na legislação federal para os procedimentos descritos nem sequer foi aberto, fato que impede que se exclua alguém que formalmente nem é candidato.

Na sua essência, a decisão resgata importantes princípios constitucionais – como legalidade, liberdade e segurança jurídica – orientadores de qualquer democracia ocidental que respeite os valores republicanos contidos nos ordenamentos nacionais e aplicáveis de forma igualitária a todos os cidadãos. O reposicionamento normativo, independentemente do acusado e do objeto do litígio, é urgente neste momento em que a intransparência jurídica tem guiado decisões de magistrados pelo país.

Os três princípios citados, em verdade, são uma métrica para refletir sobre a judicialização da política e a politização do Judiciário brasileiro na atualidade, principalmente na medida em que a combinação de ambos altera o funcionamento equilibrado das instituições políticas do país e corrói os direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988.

Observamos a face mais evidente da politização do Judiciário no que se cunhou como ativismo judicial

Ao longo dos anos, observamos uma avalanche de processos que deslocam temas estritamente políticos para a arena judicial. O fenômeno ocorrido no país migrou o campo de decisão da esfera dos governos e dos parlamentos para os tribunais. Com isso, observamos magistrados decidindo sobre conteúdo político em total descolamento de suas atribuições constitucionais, e alterando o sistema democrático resultado das eleições.

A lista de processos que expressam a judicialização da política apresenta um rol infindável de casos com os mais diferentes temas, que passam do controle da velocidade de carros em ruas à esterilização forçada de mulheres pobres determinada pela Justiça.

Sobre política construída dentro de procedimentos legais ou omissões em executá-las, os efeitos positivos e negativos devem ser avaliados pelos cidadãos cotidianamente. Se forem consideradas adequadas ou não, o espaço para decisão são as urnas de quatro em quatro anos e não os gabinetes dos magistrados. Esta clareza de atribuições institucionais faz parte das regras de funcionamento de qualquer país de democracia de alta densidade, como observamos na Suécia ou, aqui ao lado, no Uruguai.

Em relação à politização do Judiciário, observamos sua face mais evidente no que se cunhou como ativismo judicial, ou seja, uma conduta proativa de ler o direito para expandir o seu sentido e alcance. Tal perspectiva gera uma total instabilidade institucional e uma insegurança para os cidadãos, pois permite uma atuação do magistrado no campo da vontade, e o direito se torna uma mera técnica para justificar o desejo intrínseco daquele que julga.

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Na prática, por exemplo, cria justificativas para monitorar jornalistas, afastar deputados e senadores do mandato sem previsão constitucional que assegure a medida, grampear presidente da República sem previsão constitucional, realizar condução coercitiva em detrimento do previsto na legislação penal e permitir que juiz descumpra decisão de ministro do Supremo Tribunal Federal. É ainda mais assustador imaginar os danos que a abertura desses precedentes pode causar aos cidadãos comuns, que não têm poder para questionar as violações praticadas por magistrados.

A combinação da judicialização da política com a politização do Judiciário gera uma concentração de poder num único órgão, que assume a cada dia atribuições não previstas constitucionalmente para dizer como as coisas devem ser a partir de vontades pessoais (mesmo que bem-intencionadas). No entanto, os juízes não são eleitos pelo povo e, ao contrário do que acontece com os governos e os parlamentos, os cidadãos não têm a possibilidade de renovar aqueles que decidem no Judiciário.

Tal fenômeno de desequilíbrio institucional enfraquece a democracia e aponta para uma reflexão fundamental a todos nós, brasileiros, independentemente da ideologia política: agora é Lula, mas quem será amanhã?

Eduardo Faria Silva, doutor em Direito, é coordenador-geral dos cursos de pós-graduação em Direito e coordenador da pós-graduação em Direito Constitucional e Democracia da Universidade Positivo (UP).
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