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Na Itália da década de 1930, a usual e recíproca incompreensão entre magistrados e advogados foi retratada, com humor e elegância, por Piero Calamandrei, no opúsculo Elogio dei giudici scritto da un avvocato (em traduções portuguesas, conhecido pelo título "Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados"). Esse desenho de posições, tantas vezes rabiscado com traços de antagonismo, retornou à minha mente quando da leitura da opinião da professora de Jornalismo Regina Kracik, publicada na Gazeta do Povo de 15 de dezembro, e posteriormente contestada, neste mesmo jornal, pela Associação dos Magistrados (Amapar), por meio de seu presidente, Fernando Ganem, e de seu diretor de Comunicação Social, Rogério Ribas (ambos juízes de Direito), no dia 17.

Procurei acessar a severa opinião e a resposta por meio de duas lentes que exerço cotidianamente: a advocacia e o magistério. Daí o inspirador reencontro com o clássico de Calamandrei, que permanece tão atual quanto o debate estampado na Gazeta.

Ao findar mais um ano de diuturno trabalho em defesa dos direitos e das garantias daqueles que me confiaram as suas causas, por vezes me deparei com a frustração por não obter a decisão pretendida no tempo esperado. Também experimentei o desapontamento, numa ou noutra audiência em que, ladeando as partes, as esperanças pareceriam fenecer.

De outro vértice, em inúmeras situações, vivenciadas exponencialmente em maior número, pude presenciar o silencioso poder transformador da sociedade que é laboriosamente cultivado pelas mãos dos juízes, com particular característica, em primeiro grau de jurisdição.

Se fosse possível acessar uma "retrospectiva 2013" das notícias provenientes da Justiça paranaense, encontraríamos abundantes exemplos de uma postura corajosa e destemida de diversos magistrados em defesa das liberdades constitucionais, no enfrentamento dos desvios do poder em suas diversas esferas, na ousadia de desfazer algumas das expressões mais pavorosas de prepotência, opressão e tirania que continuam a grassar pelo nosso país, por vezes como se não existisse a Constituição de 1988.

Essas polaridades são naturais e inevitáveis. Assim como as partes e os seus advogados, os magistrados também têm dias melhores e piores, igualmente estão expostos ao cotidiano opressor. Os acertos e desacertos, nalguma medida, são sinais de humanidade, de identidade e de proximidade. Nenhum dos extremos desse pêndulo é um retrato fiel.

Pela outra lente, como professor da Faculdade de Direito da UFPR, diante da conclusão dos trabalhos com mais uma excepcional turma de quintanistas, encontrei alguns dos principais jovens talentos ostentando um sereno e firme objetivo de vida: tornar-se magistrado no estado do Paraná.

Isso não é magnífico?

Esses jovens bacharéis, mesmos cientes da descomunal dificuldade do concurso público para o ingresso na magistratura, cada vez mais rigoroso e seletivo, e com a segura percepção da aridez da vida daqueles que diariamente têm a função de julgar, extraída da vivência colhida nos anos de estágio, mantêm esse propósito de vida, homenageando a singular importância que a magistratura exerce para o país.

As duas lentes da minha experiência se unem como pontas. E, mediando essas pontas, o reconhecimento da liberdade de expressão, de opinião, de crítica e de debate democrático, inclusive e em especial a respeito da cotidiana atividade jurisdicional, merece destaque.

A opinião, como certa vez sublinhou Spinoza, "jamais tem lugar com respeito a algo de que estamos certos, mas só quando se fala de conjecturar e supor". Por assim ser, a opinião nem sempre reflete a verdade.

A opinião também não é necessariamente justa. Em Humano, demasiado humano, Nietzsche sublinhou que a justiça, por pretender "dar a cada coisa, viva ou morta, real ou imaginada, o que é seu", pode ser até mesmo avessa à opinião, pois é "das paixões que brotam as opiniões; a inércia do espírito as faz enrijecerem na forma de convicções".

A justiça persegue o suum cuique tribuere, o conferir a cada um o que é seu. A opinião não.

Em que pese a opinião não guardar um necessário compromisso com a verdade e com a justiça, isso não a torna menor, desimportante. Pelo contrário. É imprescindível que um jornal, vocacionado pela liberdade e pela democracia, publique opiniões, certas ou erradas, justas e injustas.

O debate que floresce disso tudo homenageia a sociedade. Assim, tanto a desiludida opinião da leitora como a manifestação de repúdio da Amapar foram peças de um mosaico democrático que, por ser plural e tolerante, aglomera cores e formas diferentes.

Poder contemplar esse mosaico, pela leitura de um jornal, é uma prerrogativa de que não se pode abrir mão. É alvissareiro. Assim como olhamos as marcas do tempo em nosso corpo, não podemos deixar de dirigir o olhar para esses sinais de amadurecimento da democracia em nossa sociedade.

Rodrigo Xavier Leonardo, advogado, é doutor pela USP, pós-doutor pela Università degli Studi di Torino (Itália) e professor de Direito Civil na UFPR.

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