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“Ainda Estou Aqui” é um filme militante de esquerda?

Selton Mello (Rubens) e Fernanda Torres (Eunice) estão em "Ainda Estou Aqui"
Selton Mello (Rubens) e Fernanda Torres (Eunice) vivem o casal principal de "Ainda Estou Aqui" (Foto: Divulgação Sony)

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Em primeiro lugar, eu sou totalmente contra o comunismo, o socialismo, o nazismo e o fascismo. Em segundo lugar, só considera Ainda Estou Aqui um “filme militante” quem não acredita que houve uma ditadura no Brasil a partir de 1964.

Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, conta a história da família de Rubens Paiva, um engenheiro que foi deputado e morava no Rio de Janeiro com sua família, em um bairro nobre, Ipanema. A história toda acontece pelo ponto de vista da Eunice, esposa do Rubens, que é interpretada por Fernanda Torres. Eles viviam uma vida muito tranquila com seus cinco filhos, com direito à praia aos finais de semana, amigos e muito amor.

Isso tudo aconteceu durante a ditadura militar e me fez lembrar muito daquelas pessoas que dizem que não perceberam a ditadura acontecendo. E que, muitas vezes, por conta disso, acabam dizendo que não houve ditadura, e sim um regime, um governo militar.

Mesmo com essa vida super tranquila, Eunice foi sequestrada pela polícia e torturada em uma cela por vários dias. Eu não estou aqui para contar a história toda do filme, até porque eu quero que você assista, mas para compartilhar alguns pensamentos que tive enquanto assistia ao filme.

Fiquei pensando em como seria se daqui a dois ou três anos eu fosse sequestrada por conta do posicionamento político do meu marido não estar de acordo com o do atual governo

O primeiro deles é que, sim, houve uma ditadura no Brasil. Se você não a sentiu, não é porque não aconteceu. Como jornalista e editora-chefe do Boletim da Liberdade, prestei atenção ao momento em que Rubens Paiva foi preso, mas os jornais diziam que ele havia fugido. Isso leva a uma dúvida: os jornais eram realmente obrigados pelo governo a noticiar o que eles mandavam ou eram coniventes com a ditadura? Censura ou cumplicidade?

Se for censura, traço um paralelo com os dias de hoje. Não, hoje o governo não censura previamente as notícias que saem nos jornais e nas redes sociais (eu acho). Mas em 2019, a Revista Crusoé foi censurada posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pela publicação da matéria que levava o título “O amigo do amigo do meu pai”. E, se as coisas continuarem da forma como caminham, pode ser que com o que chamam de “PL das fake news” essa censura seja ainda maior.

Por último, eu me identifiquei muito com a Eunice. Sendo uma esposa de um ex-deputado do Rio de Janeiro, fiquei pensando em como seria se daqui a dois ou três anos eu fosse sequestrada por conta do posicionamento político do meu marido não estar de acordo com o do atual governo.

Hoje existe um deputado federal em mandato e com imunidade parlamentar sendo perseguido pelo Supremo por uma fala feita na tribuna da Câmara. E não muito distante do Brasil, em um país que vive uma ditadura, há uma jovem ativista política opositora ao governo Maduro que está presa pelos seus posicionamentos. María Oropeza é uma venezuelana que comprova os males de um país em ditadura, como a que o Brasil viveu no passado. Como a que Rubens Paiva e sua família sofreram.

Mas o que eu realmente achei de Ainda Estou Aqui? O filme é parcial. O roteiro é uma adaptação do livro escrito pelo filho mais novo de Rubens Paiva, que tinha 10 anos quando o pai desapareceu. Ou seja, a história foi relatada por um garoto que carrega emoções legítimas, mas ainda assim parciais. Mesmo assim, o filme é lindo. Acho Selton Mello fantástico. Um dos meus filmes favoritos brasileiros, inclusive, é dele – o filme da minha vida. Fernanda Torres não tem tantos diálogos profundos, mas sua atuação e expressividade dão o tom que o filme precisa para ser emocionante e muito profundo.

Ainda Estou Aqui trabalha bem a sutileza da ditadura militar na vida de algumas famílias e mostra uma família carioca que enfrentou tristezas por certas escolhas feitas pelo pai. Tendo acompanhado anos anteriores que o Brasil enviou seus candidatos ao Oscar, acredito que essa seja a melhor escolha dos últimos anos para representar o país na categoria de filme internacional. Recomendo muito que todos assistam e sou contra qualquer boicote.

Sara Ganime é jornalista, CEO do Boletim da Liberdade e fellow do programa María Oropeza Activism Fellowship da Ladies of Liberty Alliance (LOLA).

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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