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Nesses últimos dias, Fernando Lyra foi notícia com seu livro Daquilo que eu sei: Tancredo e a transição democrática, que trata dos eventos históricos ao redor de 1985. Mas Fernando tem uma posição privilegiada, não apenas como participante do passado. Distante de cargos públicos, ele continua observando o mundo e o Brasil. Com a mesma perspicácia que lhe permitiu, em 1985, prever um rumo, escolher um caminho e construir uma estrada, ele continua olhando para o futuro.

Ao comentarmos o caos partidário brasileiro, a perda absoluta de identidade nos partidos, as alianças esdrúxulas sem constrangimento, ouvi dele uma frase marcante: "Os partidos estão descaracterizados, mas ainda existe o ‘lado de lᒠe o ‘lado de cá’". Não podemos perder o sentido de que na política há dois lados, e que saltar de um para outro é incoerência.

Quando nos aliamos a Tancredo Neves defendendo a eleição do presidente no Colégio Eleitoral já constituído, em vez de a Ulysses Guimarães e sua defesa da eleição direta, impossível naquele momento não mudamos de lado: continuamos lutando pelo restabelecimento da democracia no Brasil. Quando, em 1989, ficamos ao lado de Brizola, em vez de Lula, Ulysses, Covas ou Roberto Freire, não mudamos de lado. Estávamos do mesmo lado.

De lá para cá, políticos dos mais diversos partidos se uniram, como "saladas políticas", sem qualquer nitidez de princípios, saltando de um lado para outro da linha ideológica que separa os partidos, transformados em clubes eleitorais.

Ficou difícil diferenciar. Difícil passar uma linha separando Dilma e Serra. Porque o PT e o PSDB têm posições tão parecidas, e aceitaram alianças tão incoerentes com outros partidos, que fica difícil dizer que estejam de lados diferentes, ou mesmo que tenham um lado. O debate de 2010 entre eles será, provavelmente, o mais chato da história republicana pós-1985. Será um debate de números, sem sonhos, sem diferenças de projetos, sem uma inflexão para o futuro do Brasil.

Embora pouco provável, mas não impossível, no atual caos partidário, talvez as forças conservadoras do ‘lado de lᒠpossam dar um salto para o ‘lado de cá’. Como fizeram em 1985, abandonando a Arena e criando o antigo PFL – atual Democratas (DEM) – e se aliando à democracia, e não à ditadura que apoiaram por 21 anos.

No Distrito Federal, unidade da Federação que me elegeu governador e senador, tentei trazer o governador Arruda – que fez parte do Ministério da Justiça sob o ministro Fernando Lyra – do ‘lado de lᒠpara o ‘lado de cá’. Bastaria que ele adotasse radicalmente, não superficialmente, projetos com nitidez progressista, alguns já implantados no governo de 1995 a 98 que eu dirigi.

Apesar de ter avançado ao alertar sobre os dois lados, Fernando não avançou em definir quem, no Brasil, está de cada lado. Sem essa definição, fica sempre aberta a possibilidade de que a linha que separa os dois lados fique tênue demais e não seja percebida, e que os coerentes as atrevessem por ingenuidade, e que os oportunistas, por esperteza, tenham desculpas para ultrapassá-la.

Fernando não pode parar no livro Daquilo que eu sei: Tancredo e a transição democrática. Ele está nos devendo outro livro, ou artigos, ou simples comentários que, além de nos alertarem para que não atravessemos a linha que separa o ‘lado de cᒠe o ‘lado de lá’, nos ajudem a ver com clareza a linha sinuosa que hoje corta, de maneira enviesada, o espectro político brasileiro, deixando os oportunistas alegres e saltitantes, e os coerentes zonzos.

Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT/DF.

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