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Ajuda para as famílias de Mariana e Brumadinho: um comparativo entre culturas

(Foto: Israel Defense Forces/Agência Brasil)

Para Marx, em sua análise sobre as relações sociais entre capitalistas (detentores do capital) e a força de trabalho (assalariados), feita no livro A critique of political economy, o capital nada mais é que o excedente produzido nesta relação social de produção e consumo de comodities, que, por sua vez, gera mais “capital”. Nan Lin no livro Social Capital: a theory of social sctructure and action sustenta que a evolução do conceito de capital, resultou no aparecimento de novas formas de capital que interagem entre si, como o capital humano, capital cultural e, mais recentemente, o capital social. Baron, Field e Schuller no livro Social Capital: critical perspectives definem capital social como redes sociais, as reciprocidades que emergem dessas redes e o seu valor na obtenção de objetivos mútuos.

O capital cultural vem da capacidade de aprender outras crenças, valores e suposições, fundamentais para o processo de transformação de uma sociedade doente, em crise pelo desfrute (excesso de recursos naturais) sem significado, conhecimento, inteligência e sabedoria. Essa capacidade esta intimamente relacionada com a troca de conhecimentos e experiências entre pessoas de culturas diferentes, o aprendizado mais efetivo: por comparação.

Por causa de sua capacidade de criar e aplicar conhecimento coletivo, o cooperativismo tem alcançado resultados surpreendentes no processo de desenvolvimento local e nacional.

Pedro Salanek Filho e Christian Luiz da Silva no artigo Capital Social e cooperativismo no processo de desenvolvimento sustentável: estudo da cooperativa Bom Jesus, Lapa - PR identificaram que 60 cooperativas agropecuárias apresentaram um crescimento significativo de 130% nos últimos anos.

O cooperativismo tornou-se uma alternativa clara para o desenvolvimento socioeconômico, mas críticos afirmam que não há consistência metodológica para sustentar tal afirmação e por isso enaltecem o problema de pesquisa. Contudo, é inegável o gigantesco potencial das cooperativas em facilitar a criação, desenvolvimento e acúmulo de capital social, por meio de ações estratégicas que intensificam a confiança mutua entre cooperados e então a troca de bens, conhecimentos e experiências dentro deste ambiente colaborativo.

Interação, confiança, definição de objetivos comuns e estruturação da rede social são questões fundamentais para compreender o processo cooperativista

O capital social, de acordo com Pedro e Christian, afeta a provisão de serviços, tem impacto sobre o desenvolvimento, melhora a gestão de recursos mútuos, ajuda na melhora da educação e na redução de conflitos sociais e compensa as deficiências do Estado.

E mais do que isso, ao capital social é creditado a redução da pobreza de indivíduos e de nações inteiras, como aponta Van Bastelaer Grootaert no trabalho intitulado The role of social capital in development: an empirical assessment e François na obra Social capital and economic development.

Lin, Cook e Burt no livro Social capital: theory and research sustentam que a teoria de capital social expande a perspectiva individual defendida por teorias de neocapitalistas para incluir capital capturado por meio de relacionamentos sociais.

Na literatura sobre o tema, as redes de relacionamentos, ao contrário das redes sociais mais populares como o Facebook, tem baixíssimos níveis de redundância de informações devido a criação de uma base mútua de conhecimento e altos níveis de confiança entre os seus atores, componentes-chave do capital social.

Interação, confiança, definição de objetivos comuns e estruturação da rede social são questões fundamentais para compreender o processo cooperativista e a importância relativa do capital social para o desenvolvimento do local onde ocorre.

As instituições cooperativas são encontradas em diversos setores da economia, como: agropecuário, saúde, crédito, transporte, educação, etc. Entre esses setores, o que possui melhor estrutura e recebe grande destaque nacional é o agropecuário.

Esse ramo do cooperativismo possui um enorme potencial de formação de capital social, pois promove ações que visam aglutinar, além do grupo de cooperados, a comunidade local.

Por meio do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), que é o braço de desenvolvimento humano das cooperativas, são viabilizados e promovidos cursos e treinamentos conforme as demandas das cooperativas. A grande maioria são mini e pequenos agricultores, ou seja, produtores com propriedades de áreas inferiores a 50 ha.

Conforme dados estatísticos do governo do estado do Paraná, nos 10 municípios em que a cooperativa possui estrutura de recebimento, a atividade agropecuária responde por 23,25% do PIB municipal.
A cooperativa Bom Jesus presta serviços a seus cooperados, como transferência de tecnologia, assistência técnica dirigida, aquisição de insumos, beneficiamento da produção (armazenagem e secagem), transporte, comercialização e produção de sementes. Todos esses serviços são prestados para que o cooperado atinja melhor produtividade e continue entregando sua produção à cooperativa. A Bom Jesus tem algumas ações para cultivar essa relação, das quais podem-se destacar: grupo de jovens, acompanhamento do nível de fidelidade de entrega da produção; treinamento contínuo, organização, transparência e ética na troca de informações para gerar conhecimento relevante, inteligência e sabedoria.
As ações desenvolvidas pela cooperativa visam mostrar ao cooperado que a relação é de longo prazo e não de curto prazo e isso funciona muito bem na cultura paranaense.

Observa-se que as cooperativas têm a preocupação em manter a rede e o capital social alimentado a longo prazo, contudo, há uma disputa entre o resultado operacional (curto prazo) e estratégico (longo prazo) do cooperado.

Na cooperativa Bom Jesus, nota-se que há um incentivo para esse exercício de mentalidade de longo pelas atividades rotineiras com o cooperado. A realização de ações, como treinamento e “dia no campo”, aproxima o cooperado da cooperativa e cria um laço entre os cooperados. Algumas ações resultam disso, como a troca de empréstimo de insumos e máquinas entre os cooperados.

O propósito da cooperativa Bom Jesus no Paraná é atuar na educação de seu cooperado de forma a desenvolver o cooperativismo para criar um homem mais solidário e participativo.

Em sua composição étnica, a cultura do Paraná soma uma grande quantidade de etnias como portugueses, espanhóis, italianos, alemães, neerlandeses, eslavos, poloneses, ucranianos, árabes, coreanos, japoneses, gaúchos, catarinenses, paulistas, mineiros, nordestinos, indígenas e africanos, as quais colaboraram para que a alma do povo paranaense fosse consolidada como colaborativa e aberta a conhecer e aprender outras culturas e então tendo mais maturidade para combater o câncer do Brasil: a corrupção.

Na contramão disso, de acordo com Sette, Sette e Souza no artigo A organização cooperativa sob a ótica dos cooperados, na Cooperativa dos Granjeiros do Oeste de Minas Ltda. (Cogran), mais de 85% dos cooperados não conhecem os princípios que regem o cooperativismo e, muito menos, o estatuto da cooperativa e, mesmo assim, esses mais de 85%, afirmam que não toleram a ação oportunista que, segundo eles, deveria receber algum tipo de punição.

A Cogran tem dificuldades em convencer os membros a confiarem uns nos outros e então compartilharem o que tem e sabem. A diferença entre a cooperativa paranaense e a cooperativa mineira fica muito clara quando observamos as culturas do Paraná e Minas Gerais. Diferentes estados podem ter capitais sociais diferentes em razão de sua história.

O artigo científico mais relevante para entender a cultura mineira foi publicado pela professora da Universidade Federal de Lavras (UFLA), área de atuação Cultura, Formação discente e docente em Administração. O artigo Cultura Regional Mineira e Relações Comerciais: um Estudo Etnográfico no Varejo de autoria da pesquisadora Cléria Donizete da Silva Lourenço, conclui o seguinte sobre a cultura mineira: “evidenciou-se como a tranquilidade, o apego à tradição, o bom senso, a discrição, a dissimulação, a hospitalidade e a desconfiança se manifestaram no cotidiano das empresas”.

Essa cultura mineira que oscila entre tranquilidade/hospitalidade e dissimulação/desconfiança, tem origem no sofrimento com a histórica corrupção do MDB, PSDB e PT que levou a falência do estado de Minas Gerais. Oportuno lembrar que os outros dois estados falidos, o Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro também começam a enxergar o impacto das culturas egocêntrica e de traição nas relações e então na economia.
O problema maior é quando a cultura tira vidas inocentes.

No dia 5 de novembro de 2015 ocorreu o rompimento da barragem do Fundão no subdistrito de Bento Rodrigues, município de Mariana - MG. Este rompimento causou uma avalanche de lama formada por resíduos de mineração compostos por óxidos de ferro, silte e areia, que foram espalhados pela bacia do rio Doce.

Em 25 de janeiro de 2019 ocorreu o rompimento da barragem I do complexo do córrego do Feijão em Brumadinho - MG. A maior parte do rejeito ficou depositada na bacia do rio Paraopeba, afluente do rio São Francisco. No caso de Mariana, a área de abrangência foi de aproximadamente 2.000 ha de solos recobertos pela lama de mineração. Já em Brumadinho a área atingida foi de aproximadamente 280 ha.

Existe uma carência de conhecimento do ponto de vista químico-biológico de quais são os impactos: da amplitude e das consequências dos desastres na biodiversidade e no funcionamento dos ecossistemas.

Buscando compreender de que formas estão sendo observadas e analisadas as discussões sobre as técnicas de revegetação e o uso dos solos arenosos nas regiões afetadas propus uma discussão através de um Portal de Gestão do Conhecimento – GC e Inteligência Organizacional – IO.

Será discutido no Portal, inicialmente com professores da Unicamp, USP, UFRGS e UFV a melhor técnica de revegetação entre fertilização, terraplanagem natural, semeadura direta, replantio, adubação de cobertura e biomantas ante erosivas. Neste portal, se discute também a necessidade de um novo nicho de mercado para as duas regiões – agricultura e turismo rural –, além da recuperação e preservação ambiental a partir da sabedoria de que os ecossistemas proveem a purificação da água e do ar, amenizam os fenômenos climáticos extremos e protegem contra desastres naturais, decompõem contaminantes, e ajudam no controle de erosões.

Quantificar desastres com as proporções de Mariana e Brumadinho envolve uma gama de áreas de conhecimento e a necessidade de colhermos experiências de outros países para propor soluções. No município de Ranchi, Estado de Jharkhand, leste da Índia, aconteceu em 2010 um acidente muito similar aos que ocorreram em Minas Gerais nos anos de 2015 e 2019. Os pesquisadores Chauhan & Ganguly identificaram que quando uma pequena quantidade de adubo orgânico solúvel penetra no solo, através de macroporos, serve como alimento para os microrganismos. Com relação aos minerais, a gipsita, por exemplo, é um sulfato de cálcio hidratado que é usado para melhorar determinadas propriedades fisioquímicas de solos problemáticos.

Precisamos entender a área rural não somente como espaço da biodiversidade e da preservação da vida natural, o rural ecológico-ambiental, mas também com a função de prover alimentos, fibras e matérias primas, o rural agropecuário, e também como vocação turística, o ainda incipiente turismo rural.

Para motivar essa discussão e outras, como a melhor técnica de revegetação para Mariana e Brumadinho, o portal buscará competências técnicas e expertise para contribuir na definição de espécies vegetais e modelos de revegetação para recuperação ambiental, notadamente aumento do teor de matéria orgânica nos substratos arenosos, estabilização de áreas com risco de deslizamento e recomposição de matas ciliares e de áreas de preservação permanente.

O resultado das comunidades de prática do portal – identificação, melhoramento e uso do solo – motivadas e analisadas por experts, será um Programa de Recuperação Econômico-Ambiental, com proposta de um ordenamento para paisagem, separando áreas urbanas das áreas agrícolas, de turismo rural e de preservação.

Temos de vencer o impacto da cultura do esperto, do desfrute sem significado, na economia e na morte de pessoas inocentes, através do compartilhamento de conhecimentos e experiências, em busca de maior sabedoria.

Cristiano Trindade de Angelis, pesquisador da Skema Business School e analista do Ministério da Fazenda, autor do livro "Gestão por Inteligências".

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