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Além da linha vermelha

Encravada entre o tórrido deserto do Qatar e o azul do Golfo Pérsico, a capital Doha foi palco de importante reunião da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em junho. A entidade que, entre outras tarefas, concedeu e gerencia mais de 700 títulos de patrimônio da humanidade em todo o mundo, debateu a situação do Parque Nacional do Iguaçu. Foi a primeira área do Brasil a receber a honraria, em 1986. No entanto, seu status de ameaça merece atenção e ações efetivas do governo federal.

A entidade debateu, decidiu e alertou fortemente que o parque nacional pode voltar à lista de sítios do patrimônio mundial ameaçados. Isso acontecerá caso o Brasil não engavete o projeto que pretende impor uma rodovia asfaltada através da área protegida e não providencie uma avaliação completa de possíveis impactos ambientais antes de dar sinal verde à hidrelétrica de Baixo Iguaçu, ligada ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Proposto por um político paranaense, o tortuoso projeto que insiste em cortar o parque ao meio com asfalto tramita no Congresso Nacional. O imbróglio da estrada se arrasta há anos, e ressurge de tempos em tempos como bandeira da política com visão de curto prazo. A proposta pode afetar outros sítios do patrimônio no Brasil, alterando a legislação nacional sobre unidades de conservação. No passado, pressões pela abertura da estrada já levaram o Iguaçu à lista vermelha das Nações Unidas.

As fortes enxurradas de junho causaram estragos na região e carregaram rio abaixo equipamentos do campo de obras da Usina de Baixo Iguaçu. A licença do empreendimento foi cancelada na mesma época pelo Tribunal Regional Federal. Afinal, o Instituto Ambiental do Paraná licenciou a hidrelétrica sem ouvir o Instituto Chico Mendes, responsável pelo parque nacional. A obra está a 500 metros da área protegida. Retomá-la depende agora de uma detalhada avaliação de impactos ambientais sobre a região e sobre o Parque do Iguaçu.

Os prejuízos com a inscrição do parque nacional na lista de sítios do patrimônio da humanidade ameaçados e com a possível perda do título seriam graves. Além do "mico" internacional por não conseguir conciliar estratégias de desenvolvimento e de conservação, o Brasil veria certas contas públicas minguarem. Apostar em pequenas aventuras políticas em vez de manter economias sustentáveis e de longo prazo pode ter efeitos colaterais dolorosos.

A cada ano, o Parque Nacional do Iguaçu reverte cerca de R$ 18 milhões aos cofres federais com bilheteria, movimenta mais de R$ 88 milhões com o turismo regional e distribui por volta de R$ 10 milhões em ICMS Ecológico aos municípios tocados por seus limites. Redução no fluxo turístico e econômico e fim do repasse aos municípios serão efeitos colaterais desse exemplo claro da insistência em projetos comprovadamente equivocados.

Até fevereiro de 2015 o Brasil deve enviar às Nações Unidas um relatório completo sobre a situação do Parque Nacional do Iguaçu, relatando suas ações e seus progressos na redução das ameaças sobre nosso primeiro sítio do patrimônio da humanidade. Com esse posicionamento na balança das Nações Unidas, cruzaremos ou não aquela linha vermelha.

Maria Cecília Wey de Brito é secretária-geral da WWF Brasil.

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