Alfie Evans é uma criança de quase 2 anos internada no hospital pediátrico Alder Hey, em Liverpool, na Inglaterra, vítima do que talvez seja uma doença neurodegenerativa. Temos de dizer “talvez” porque até agora os médicos não chegaram a um diagnóstico definitivo, e por isso nem todos os tratamentos possíveis foram empregados.
A equipe que cuida de Alfie decidiu que é do seu “melhor interesse” morrer por meio da interrupção da ventilação artificial. Imediatamente, seus pais se opuseram à decisão, levaram o caso a público e entraram em uma disputa judicial tão intensa quanto longa. Os juízes de todas as instâncias foram unânimes em concordar com a disposição dos médicos de proceder à eutanásia – porque, sejamos honestos, a decisão de desligar o respirador não é recusa de obstinação terapêutica, é eutanásia pura e simples. A eutanásia, lembremos, é uma ação ou omissão com o objetivo de provocar a morte de uma pessoa para evitar que ela sofra.
Querem matar Alfie para evitar que ele tenha uma vida com deficiência. Em outras palavras, querem eliminar o pequeno paciente inglês porque não pode melhorar. Decisão que revela uma ética centrada na qualidade de vida, e não em uma ética que respeita a dignidade da pessoa, sua preciosidade intrínseca que nunca pode ser alterada por fatores como o maior ou menor grau de perfeição física, ou a presença ou ausência de funções como a capacidade de se comunicar, de se relacionar, de ter consciência de si mesmo e do mundo à sua volta, de expressar-se de forma inteligível etc.
O Hospital Alder Hey e a Justiça inglesa querem cometer um homicídio por razões “piedosas”
Desligar o respirador não é rejeitar a obstinação terapêutica porque esta consiste na insistência em um tratamento comprovadamente ineficaz e desproporcional a seus objetivos. Mas, no caso da Alfie, a ventilação artificial cumpre plenamente sua finalidade: oxigenar o organismo e manter Alfie vivo; por isso, é um tratamento proporcional. No entanto, para os médicos e juízes britânicos, manter viva uma pessoa incapaz como essa criança seria obstinação terapêutica. Resumindo, do ponto de vista moral, o Alder Hey e a Justiça inglesa querem cometer um homicídio por razões “piedosas”.
Há, ainda, o aspecto jurídico. Para os juízes, o “melhor interesse” para o pequeno paciente é morrer. Se houvesse chance de recuperação, argumentaram, seria possível manter o respirador funcionando, mas não há essa chance, dizem. Como afirmou expressamente a juíza Eleanor King, da Corte de Apelações londrina, Alfie está em fase terminal. Mas, analisando única e exclusivamente os fatos, podemos responder que, sem ter um diagnóstico preciso, não se pode concluir que Alfie não tenha chance de melhorar; afinal, nem todas as terapias possíveis foram usadas – e o hospital Bambino Gesù, em Roma, já se dispôs a preencher esta lacuna. Fato é que Alfie está fortemente sedado e não há como dizer se ele não responde aos estímulos por causa da sedação ou por ter sofrido graves danos neurológicos.
E, mesmo que Alfie não tivesse chance de melhora ou cura, não é moralmente lícito assassinar um paciente porque ele está definitivamente incapacitado. A própria avaliação de doença terminal é falsa: Alfie se mantém estável na condição atual já faz muitos meses, e os pais registraram alguns tímidos sinais de reatividade. E, ainda que um paciente realmente estivesse em estado terminal, é eticamente inaceitável antecipar a morte de uma pessoa assassinando-a.
Voltemos a esse desejo de matar dos juízes em relação a Alfie. Já que a morte é o seu “melhor interesse”, os magistrados impediram os pais de transferi-lo para outro hospital. O tribunal não suprimiu o pátrio poder, mas tomou uma decisão que impede apenas a transferência. É como entregar uma criança em custódia a outra família: para zelar pelo interesse da criança, os pais biológicos de quem ela foi retirada não podem pedir que ela volte a viver com eles. Assim se explica a afirmação insistentemente repetida pelo advogado do hospital, Michael Mylonas, sobre a limitação dos direitos dos pais sobre os filhos. Limitação que, ressaltemos, não se aplica ao Judiciário, já que este pode condenar uma criança à morte.
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Assim, na perspectiva do juiz, não cabe nem mesmo invocar o princípio legal do habeas corpus, que tutela a inviolabilidade da pessoa, porque a decisão judicial teria o objetivo de cuidar da dignidade do pequeno paciente – uma tutela que, paradoxalmente, proíbe a transferência porque seria perigosa, e obriga Alfie a permanecer no Alder Hey porque este, sim, é um ambiente “seguro” onde seria liberto do sofrimento de existir em um corpo incapacitado. Para os juízes, isso não é uma detenção ilícita, mas uma custódia em um local protegido que mantém Alfie a salvo do “perigo” de evitar sua eliminação.
Então, o centro do debate jurídico é decidir se o “melhor interesse” para Alfie é viver (como querem seus pais) ou morrer (como decidiram os médicos e juízes). Uma vez definido esse interesse, ninguém, nem mesmo os pais, poderia interferir. A limitação dos direitos dos pais está sendo vista dentro dessa ótica, que, obviamente, é um gigantesco equívoco. Se efetivamente julgamos que o melhor interesse de Alfie é o de ser curado, chega-se à conclusão de que os direitos de Alfie à cura e à vida, além do direito de seus pais, estão sendo injustamente violados.
E quais são, no fim das contas, os argumentos jurídicos usados pelos magistrados para legitimar a eliminação de Alfie? Nenhum, a não ser referências equivocadas à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. E aqui está um importante aspecto jurídico que é preciso ressaltar: no Reino Unido a eutanásia é proibida. Na legislação não existe nenhuma norma que legitime o desligamento do respirador de Alfie, provocando sua morte. Assim, os juízes, ordenando uma eutanásia, querem que se cometa uma violação da lei. Por isso se recorre ao truque jurídico de desviar da proibição da eutanásia alegando a recusa à obstinação terapêutica motivada por um suposto “melhor interesse” de Alfie de não viver mais nas atuais condições.
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