“Não tenho conexões com a realidade”, escreveu Manoel de Barros no poema Tratado geral das grandezas do ínfimo. Diante do clamor e incertezas do universo social, são devidas algumas considerações, em face, principalmente, de opiniões que se apresentam com notável carga de otimismo.
Concretamente, o nosso Regime Geral de Previdência Social (RGPS) está constituído sob os pilares do regime de repartição simples, em que os trabalhadores da ativa são responsáveis pelo pagamento dos proventos dos aposentados. Esse sistema foi criado no século 19 pelo então chanceler alemão Otto von Bismarck. Os seus fundamentos estão embasados no crescimento demográfico e no aumento da taxa de produtividade da economia.
Já na esfera pública, os servidores que foram admitidos até 31 de dezembro de 2003 podem obter aposentadoria integral, desde que preencham as condições estabelecidas. Já os servidores que ingressaram no serviço público a partir dessa data são regidos por novas regras (constitucionais, dos entes federativos e de leis complementares), cujas contribuições são administradas por um fundo. Tudo isso é resultado de emendas constitucionais.
É necessário que tomemos ciência dos termos da equação para desviar das igrejinhas ideológicas
De outro lado, temos o chamado sistema de contribuição definida. Por ele, cada interessado programa as suas contribuições, depositadas em uma conta individualizada, que obtém juros e rendimentos. Ao fim da jornada, em vista da expectativa de vida, será calculado o valor da sua aposentadoria, segundo o nível de capitalização efetivado. Hoje, ele tem sido aplicado no âmbito das aposentadorias complementares.
Ainda temos os fundos de pensão Previ (do Banco do Brasil), Petros (da Petrobras) e Funcef (da Caixa). É um sistema misto. Os seus funcionários se aposentam pelo RGPS até o limite do teto do INSS, e a sua aposentadoria é complementada de acordo com as regras do fundo.
Sobre o regime de repartição simples, cabe destacar que, quando a Previdência foi criada no Brasil por Getúlio Vargas, a contribuição era tripartite – do governo, das empresas e dos trabalhadores – e no mesmo porcentual. Nesse período, a grande maioria dos trabalhadores habitava a zona rural e não obtinha aposentadoria. Mais adiante, Juscelino Kubitschek de Oliveira, no afã de construir Brasília a qualquer custo, oficializou o enxugamento dos fundos de pensão.
As controvérsias podem ser mitigadas pela leitura de A Questão Previdenciária, de Tharciso Bierrenbach de Souza Santos, cujo material está disponível na internet. Em linhas gerais, o autor aborda questões que são cruciais ao nosso entendimento. Vamos desenhá-las sinteticamente: desde o início de 1990, a Previdência Social tem vivido sob constante ameaça, em vista de a média de vida dos brasileiros ter saltado de 42 anos, nos idos de 1940, para 78 anos em 2008. Além disso, a relação entre o número de aposentados e de trabalhadores ativos que, no início, era de 15 para 1, passou a ser de 1 para 1 já em 2005 (por óbvio, nessa conta não entram os trabalhadores da economia informal). Tudo isso tem gerado desequilíbrios consideráveis.
O regime de repartição simples somente se equilibra se o número de trabalhadores em atividade e contribuintes for bem superior ao número de aposentados, mas, diante de taxa de natalidade decrescente, baixa produtividade da economia e elevação da média de vida da população, sua sobrevivência é dificultada. Já os fundos de aposentadoria das empresas estatais e dos servidores públicos trazem a exigência de cálculos atuariais bem fundamentados, fazendo-se os acertos financeiros sempre que necessários.
Se pretendemos reduzir a carga tributária, devemos encurtar os espaços dos déficits e o tamanho da dívida pública. É bom lembrar que, por ocasião da edição da Constituição de 1988, a carga tributária era de 24% do PIB. Hoje, passa de 37%, e mais os déficits que são gerados. É demais, está ficando insuportável!
Este é o momento adequado para opinarmos sobre as grandes questões da Previdência Social. É necessário que tomemos ciência dos termos da equação para desviar das igrejinhas ideológicas que produzem conflitos para colher os resultados da desintegração social. De nada vale receber o bilhete da passagem para o céu, distribuído por “Panglosses” redivivos, se o diabo para lá for deslocado.