Sete dias depois de veicular uma das maiores barbaridades eleitorais dos últimos tempos, o marqueteiro João Saldanha admitiu um "erro de avaliação". O comandante da campanha de Marta Suplicy, João Santanna, em entrevista à jornalista Renata Lo Prete, da Folha de S. Paulo, lamentou profundamente não ter previsto a reação da opinião pública.
Aprendiz de Duda Mendonça, o novo Dr. Goebbels não lamentou o pérfido preconceito, nem a ostensiva introdução do lixo no debate eleitoral. A admissão do erro não foi um dever de consciência, esforço para mostrar alguma urbanidade e decência, na realidade foi mais uma tentativa de livrar a ex-campeã da tolerância do papel de ícone da arrogância e da presunção.
A solução "relaxa e goza" proposta pela então ministra do Turismo para enfrentar o caos aéreo foi evidentemente uma gafe, fruto da desatenção ou do despreparo, mas, como sabem psicólogos, psicanalistas e inclusive a autora do despautério, gafes são lapsos que não acontecem por acaso. Armazenados em algum recanto da alma, soltam-se na primeira oportunidade.
As duas perguntinhas fatais "Ele é casado? Ele tem filhos?" foram estudadas, foram estratégicas, resultaram de uma bateria de "pesquisas qualitativas" onde os marqueteiros identificaram uma oportunidade para cobrar esclarecimentos a respeito da intimidade de Gilberto Kassab.
Imaginaram que o eleitor engoliria a maldade. Não contaram com a internet onde, no mesmo dia em que começaram a ser transmitidas as primeiras mensagens (domingo, 12/10) já se abrigava uma enorme onda de protestos.
Na reta final da disputa pelo governo de São Paulo, em 2006, um pelotão de milicianos ligados à candidatura de Aloísio Mercadante também inventou uma operação suicida: a divulgação através da revista "IstoÉ" de um falso dossiê contra o candidato José Serra, o famigerado Dossiê Vedoin. Apesar da repercussão, como se tratava de grave crime eleitoral o então-ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos associado ao então diretor-geral da Polícia Federal deram um jeito de livrar da merecida condenação os "aloprados" a designação é do próprio presidente Lula.
A partir daquele episódio, aloprar e seus derivados, incorporaram-se ao nosso riquíssimo vocabulário político como sinônimos de paranóia e falta de escrúpulos. Insinuar que Gilberto Kassab pode ser homossexual porque não é casado e não tem filhos não constitui crime. É um ardiloso desvio de conduta, manifestação de preconceito, falha ética, irregularidade que o TRE de S. Paulo puniu rápida e exemplarmente.
É possível que o "deslize" (como o classificaram círculos petistas que condenaram as perguntas, mas não a candidata) possa ser absorvido e superado. O saldo, porém, dificilmente será esquecido: a percepção do eleitorado avançou, a veneranda passividade e complacência começam a ser substituídas por um senso de vigilância e responsabilidade social.
A ameaça de novos surtos de alopramento é concreta. A possibilidade da derrota de candidatos próximos ao governo federal em cidades-chave, como Rio de Janeiro, S. Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, pode estimular a insensatez, os desvarios e o seu ingrediente mais perigoso: o vale-tudo político.
Convém lembrar que nesta quinta-feira, um dos mais animados participantes do bafafá que resultou no confronto entre as polícias civil e militar em S. Paulo, era o deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT), o Paulinho, presidente da Força Sindical que corre o perigo de perder o mandato por conta de uma sucessão de estrepolias com dinheiro público. Gente assim, ameaçada de perder as regalias, embarca sem qualquer constrangimento em aventuras e desatinos. Diferentes do Dr. Goebbels, não apelam para perguntas insidiosas. Preferem a truculência.
Alberto Dines é jornalista.
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