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Amazônia
Pecuária na Amazônia| Foto: João Laet / AFP

Ao longo das últimas duas décadas, o Amazonas vem perdendo expressividade econômica nos cenários regional e nacional. Os efeitos deletérios dessa triste realidade são facilmente mensuráveis, a começar pelo empobrecimento da população, passando pelo aumento da violência urbana – agravada pelas ações ostensivas das crescentes milícias e organizações criminosas – e pelo inaceitável aprofundamento da realidade socioeconômica entre a capital, Manaus, e os 61 municípios do interior do estado.

Há, evidentemente, uma decadência social se impondo em paralelo, o que exige reação imediata e eficiente do poder estatal, sob pena do agravamento da situação e, consequentemente, maior sofrimento da população amazonense. É fundamental a permanente e intransigente defesa da Zona Franca/Polo Industrial de Manaus, esteio econômico do estado. Mas isso só não basta. Para impedir o avanço da pobreza, o Amazonas necessita também de uma nova matriz econômica.

O caminho do futuro precisa ser pavimentado a partir do aperfeiçoamento da legislação que rege os atuais incentivos estaduais, de forma a aumentar o valor adicionado dentro do estado e a abrigar novas atividades econômicas. Não se pode ignorar que novas atividades relativas aos setores de petróleo, gás natural, mineração de metálicos e não-metálicos, fertilizantes, turismo e pesca precisam ser priorizados, pois independem dos incentivos tributários federais e também podem ser os principais indutores de desconcentração econômica rumo aos municípios do interior, induzindo o desenvolvimento de outras partes do território estadual até agora desprezadas.

Igualmente prioritárias são a defesa firme da manutenção da floresta em pé e a implementação de políticas públicas para garantir o bem-estar da população indígena, notadamente face às crescentes ameaças contra esses povos por aqueles que desenvolvem atividades ilegais de extração de madeira e do garimpo.

Esse movimento, dado seu caráter amplo, transversal e multifacetado, exige a mobilização de representantes dos Três Poderes da República, da classe política e da sociedade civil, independentemente de quem esteja no poder ou de ideologias partidárias. Tudo deve ser coordenado pelo governador do estado,  com imprescindível apoio dos chefes do Ministério Público e do Poder Judiciário, e do presidente da Assembleia Legislativa, dada a necessidade de aprovação de novas leis. Trata-se de um projeto coletivo, uma conjugação de esforços que deve ser despida de vaidades ou medição de forças, uma construção conjunta por aqueles que amam o Amazonas, têm preocupação com o futuro dos jovens amazonenses e cujos cargos que ocupam lhes dão o poder de edificar um caminho muito mais promissor para o estado e sua população.

É tempo de ação. O Amazonas já desperdiçou mais de 56 anos de sua condição privilegiada de área de livre comércio, exportação e importação e de incentivos fiscais detentores de benefícios fiscais assegurados pelos artigos 40, 92 e 92-a do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. A perda da expressão econômica do estado é significativa e pode ser retratada pelos dados oficiais do IBGE, IPEAData, Suframa e outras fontes de reconhecida capacitação e idoneidade.

O retrato histórico mostra que no período entre 1970 – ano do início efetivo do Polo Industrial de Manaus – e 2002, o Produto Interno Bruto (PIB) do Estado do Amazonas apresentou expressivo crescimento, em termos regional e nacional. Note-se que em 1970 o PIB do Amazonas respondeu por 0,80% do PIB Brasil e por 16,28% do PIB da Região Norte. Em 2002, essa proporção subiu para 2,62% e 29,64%, respectivamente. Ou seja, em 32 anos, a participação do Amazonas no PIB Brasil cresceu 3,27 vezes. No mesmo período, o aumento na participação no PIB da Região Norte foi igualmente significativo, e superior a 80%. Esse crescimento, entretanto, não se sustentou. Vinte e um anos depois, em 2023, o PIB do Estado representou apenas 1,50% do PIB nacional, ou seja, ficou 75% menor. Isso significa que, em valores de hoje, mais de R$ 120 bilhões/ano deixaram de circular dentro do estado.

Essa realidade impacta negativamente sobremaneira os habitantes dos 61 municípios do interior do estado, onde vivem cerca de 1,9 milhão de pessoas, as maiores vítimas dos governos das últimas décadas. Enquanto o PIB per capita de Manaus foi de R$ 60.754,00/ano em 2023, o PIB per capita médio dos municípios do interior no mesmo ano foi de apenas R$ 18.126,00. Isto é, o PIB per capita do interior correspondeu a 29,83% do PIB per capita da capital. Em outras palavras, foi 3,35 vezes menor.

O amazonense que, acertadamente, protesta contra as desigualdades regionais do Brasil precisa atentar também para o desastre das desigualdades dentro do próprio estado, ainda mais acentuado. Enquanto a capital Manaus está amparada pela Zona Franca/Polo Industrial, os municípios do interior não possuem nenhuma atividade econômica capaz de propiciar o mínimo de qualidade de vida aos seus quase 2 milhões de habitantes, à exceção do Polo de Petróleo e Gás Natural.

É uma injustiça inaceitável, acentuada pelo Projeto Zona Franca de Manaus. Tudo porque o Decreto-Lei 288, de28/02/1967quealterou a Lei 3173, de junho de 1957, dispõe em seu artigo 49 que as isenções fiscais previstas naquela Decreto-Lei somente entrarão em vigor na data em que forem concedidos pelo estado do Amazonas e pelo município de Manaus incentivos relativos aos mais importantes tributos estadual e municipal, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços (ISS). Ou seja, é a renúncia de toda a população do estado a favor unicamente de Manaus.

Fácil concluir, portanto, que a renúncia fiscal do ICMS concedida pelo governo do estado do Amazonas, da ordem de R$ 8 a R$ 10bilhões/ano, ao mesmo tempo em que assegura a Manaus sua mais importante atividade econômica, o PIM, retira recursos do interior por meio da renúncia daquele imposto concedida às indústrias instaladas na capital.

Nitidamente a população do interior, com seu enorme empobrecimento, está financiando parte do progresso econômico de Manaus. Por uma questão de isonomia e justiça social, isso precisa ser compensado por meio de um novo plano de desenvolvimento socioeconômico ambiental do estado do Amazonas, a começar pelos investimentos orçamentários do governo estadual.

Tão necessário quanto isso é a implantação de uma nova matriz econômica porque, não obstante as renúncias fiscais da união (superiores a R $30bilhões/ano) e do estado e município (superiores a R$ 10 bilhões/ano) o estado do Amazonas e sua capital Manaus  vêm ostentando índices sociais inaceitáveis e de difícil explicação. Segundo dados publicados em dezembro de 2023 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 51% da população do estado vivem na pobreza e 10,5% vivem na extrema pobreza. Apenas 9,1% da população têm rendimento superior R$ 2.200/mês. E os que têm remuneração de R$ 3.300/mês estão entre os 10% mais ricos da população.

Embora privilegiada em termos econômicos, Manaus foi, entre 1985 e 2022, a capital que registrou maior crescimento de favelas, totalizando um território equivalente a cerca de 10 mil campos de futebol, segundo estudo divulgado pelo MapBiomas. O bairro Cidade de Deus, na zona leste da cidade, está entre as 10 maiores favelas do Brasil, com mais de 10,5 mil domicílios ocupados e população superior a 83 mil pessoas.

O triste fenômeno já se espalhou pelo estado. Além da capital, Santo Antonio do Içá, Coari, Tonantins, Ipixuna Novo e Aripuanã são os municípios com maior crescimento da favelização e da pobreza, com índices que variam entre 60% e 75% da população.

É incoerente que um estado com a 14ª maior arrecadação tributária dentre os 26 estados e o Distrito Federal tenha uma população tão frágil economicamente, com nível de empobrecimento crescente, à mercê do domínio das organizações criminosas e da violência urbana, e ainda sofrendo com péssimos Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade (IRBES) e índices de educação.

É preciso lembrar que os vazios econômicos e demográficos contribuem para essa realidade. É uma das causas, mas também uma das oportunidades de solução. No imenso território do Amazonas – 1.571.000 km² – caberiam 15 países de Europa, esses com população somada de 284,6 milhões de habitantes e PIB total de US$ 12,46 trilhões, ante 3,95 milhões de amazonenses e PIB estadual de US$ 32 milhões.

Além disso, na prática recai a essa população a cobrança mundial pela preservação da maior floresta tropical do planeta, apesar dos esforços quase nunca reconhecidos dos ribeirinhos, caboclos e indígenas.

Essa realidade precisa mudar e o Brasil deve capitalizar a proposta feita há dois anos pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de que as nações remunerem o Brasil como forma de evitar o desmatamento na Floresta Amazônica.

A necessária nova matriz econômica do estado deverá tratar a preservação florestal como um dos pilares do desenvolvimento sustentável do Estado porque se trata de uma questão que não se restringe à ecologia. Estudo do Banco Mundial estima que a não-exploração da floresta amazônica implica em  renúncia econômica de US$317bilhoes/ano. Como em território brasileiro estão de 60% a 62% da floresta tropical, o  valor correspondente ao Brasil nessa renúncia seria da ordem de US$190 bilhões/ano. Ao estado do Amazonas, que abriga metade dessa reserva, caberia, então, um potencial reinvidicatório de US$ 95 bilhões/ano. Montante significativo para a necessária revolução econômica amazonense.

A atual equação econômico-financeira do estado precisa ser modificada com urgência e há no horizonte uma oportunidade que não pode ser desperdiçada, a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), que o Brasil sediará no ano que vem, em Belém (PA). Um documento consistente deve ser formalizado junto à Presidência da República e sustentado na COP, cobrando-se concretude às propostas diante da comunidade internacional.

Também cabe à sociedade civil do Amazonas se mobilizar e também cobrar compromissos dos futuros governantes – governador, oito deputados federais e dois senadores – a serem eleitos em 2026.

Com menos discursos e mais ações efetivas, é possível mudar a realidade atual, na qual o potencial do estado é subaproveitado e população paga o preço. Afinal, como alertou o economista e filósofo norte-americano John Kenneth Galbraith (1908-2006), “nada estabelece limites tão rígidos à liberdade de um cidadão quanto a absoluta falta de dinheiro”.

O povo amazonense merece mais e o governo deve isso a esses cidadãos do Norte. A sociedade precisa cobrar.

Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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