A APA da Escarpa Devoniana é uma Unidade de Conservação Estadual de Uso Sustentável, criada em 1992 e situada na região dos Campos Gerais do Paraná. A unidade abrange a área da Escarpa Devoniana, uma feição geomorfológica considerada o degrau topográfico que separa o Primeiro do Segundo Planalto Paranaense. Em linha reta, a escarpa se estende por 260 quilômetros no Paraná. No entanto, devido aos diversos cânions, fendas e festonados (contornos e reentrâncias típicas de relevos escarpados), sua extensão total ultrapassa 500 quilômetros. É exatamente na escarpa onde mais ocorrem as cavernas dos Campos Gerais, especialmente na porção que compreende os paredões rochosos situados na frente da área, em seu reverso e entorno (no interior dos cânions e fendas).
Recentes explorações realizadas pelo Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (Gupe) no front da escarpa resultaram no registro de dez novas cavernas. A área total investigada somou apenas um quilômetro em linha reta acompanhando as paredes rochosas da Formação Furnas, que é a rocha que sustenta a escarpa. Isso reflete o imenso potencial espeleológico existente dentro da APA, já que sua extensão ultrapassa cinco centenas de quilômetros e os estudos na região ainda são bastante pontuais.
O Paraná possui atualmente 330 cavernas e as estatísticas crescem nos últimos anos, principalmente com os novos registros obtidos na APA da Escarpa Devoniana. De acordo com as bases de dados do Gupe, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav, vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio) e da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), 105 cavidades subterrâneas na área da escarpa e seu entorno imediato já foram identificadas. Porém, alguns trabalhos de certificação e licenciamento ambiental disponíveis na internet apontam a ocorrência de outras 15 cavernas que não estão catalogadas nos cadastros oficiais. Com o total de 120 cavernas, a APA da Escarpa Devoniana concentra mais de um terço do patrimônio espeleológico do Paraná. Ponta Grossa é o município que lidera este ranking, seguido de Sengés, Piraí do Sul e Tibagi. Apesar de ter apenas uma caverna cadastrada, Jaguariaíva também tem grande potencial espeleológico, assim como os municípios de Piraí do Sul e Sengés, devido às características do relevo dessas regiões, com a presença de muitos cânions e fendas.
Além da quantidade de cavernas, na região da escarpa localiza-se a maior cavidade subterrânea em arenito do sul do Brasil. O Sumidouro do Córrego das Fendas, em Ponta Grossa, tem 1,3 mil metros de desenvolvimento linear. A cavidade é a quarta no ranking nacional que avalia esse tipo de formação.
Se aprovado, o projeto de lei fará com que diversas cavernas fiquem fora da Unidade de Conservação e seu regime de proteção seja modificado
As cavidades subterrâneas da região da Escarpa Devoniana apresentam notável geodiversidade e biodiversidade. Recentes estudos em espeleotemas formados em rochas areníticas mostram a participação de micro-organismos na formação dessas feições, indicando que bactérias podem tanto dissolver como precipitar minerais.
A presença de espécies de invertebrados encontrados em cavernas da região ainda desconhecidos pela ciência também mostra a diversidade biológica desses ambientes. O exemplo mais notório é o crustáceo troglóbio – adaptado para viver exclusivamente em caverna – encontrado na Caverna das Andorinhas, em Ponta Grossa. Este Amphipoda – o Hyalella formosa – foi o primeiro troglóbio identificado na região Sul do Brasil. Trabalhos desenvolvidos em 2012 durante projeto de pesquisa do Gupe mostraram a grande diversidade e abundância de espécies em cavernas situadas na APA da Escarpa. Na Caverna da Chaminé, em Ponta Grossa, por exemplo, foram identificadas 54 espécies e 440 indivíduos em uma área de amostragem de apenas 61 metros.
Os trabalhos do Gupe apontam que os depósitos de matéria orgânica vegetal presentes no interior das cavidades subterrâneas, provenientes do guano (fezes) de morcegos e andorinhões e da vegetação nativa externa, constituem fontes vitais para a existência e manutenção das espécies cavernícolas da APA. O tamanho e a qualidade do fragmento externo (florestas, capões de mata e campos) é um fator fundamental na riqueza da fauna das cavernas; por isso, o entorno desses ambientes deve ser protegido para que suas características naturais sejam mantidas.
A forte pressão causada pela agricultura e florestamento comercial com espécies exóticas na APA da Escarpa Devoniana tem causado impactos sobre as florestas e campos nativos. A supressão e substituição da vegetação nativa pelo cultivo, a falta de manejo e controle da dispersão do pínus, instalação de drenos em campos brejosos, destruição de Áreas de Preservação Permanente (APP) e o uso de agrotóxicos afetam diretamente a fauna cavernícola. Essas atividades também modificam o regime hídrico das cavernas e aumentam o transporte de sedimento para o interior dos ambientes, causando entupimento de galerias.
A mineração, com a extração de areia através do hidrodesmonte – técnica que consiste em fragmentar paredões de rocha arenítica com o uso de jatos de água de alta pressão –, na região da Escarpa Devoniana é um enorme risco às cavernas, podendo resultar na supressão total de diversas cavidades. A falta de exigências de estudos espeleológicos de detalhe por parte do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), como condicionantes para a instalação de empreendimentos de alto impacto ambiental, como mineração, hidrelétricas, parques eólicos e indústrias, é um fator que aumenta o risco de destruição de cavidades subterrâneas na APA.
Com o recente projeto de lei em tramitação na Assembleia Legislativa do Paraná, que reduz para menos de um terço da área atual o território da APA da Escarpa Devoniana, todo o patrimônio espeleológico dessa região está desprotegido. Se aprovada, a proposta fará com que diversas cavernas fiquem fora da Unidade de Conservação e seu regime de proteção seja modificado.
Muito pouco é conhecido a respeito do patrimônio espeleológico da Escarpa Devoniana. O que se sabe é que o potencial para novas descobertas de cavernas é enorme, e que a estatística atual tende a ser rapidamente multiplicada com a realização de trabalhos de prospecção, cadastramento e pesquisa. Por isso, a redução da APA através de um projeto de lei no Legislativo estadual é equivocada e um erro imensurável, pois ainda é desconhecido e incalculável o tamanho e o valor do patrimônio natural da referida área de proteção.
As cavernas devem ser protegidas, a fim de garantir o equilíbrio ecológico e a função geossistêmica que esses ambientes apresentam. Cavernas são locais de captação de águas superficiais, servindo de pontos de recarga do importante, porém muito esquecido, Aquífero Furnas, um grande manancial de águas subterrâneas da região dos Campos Gerais. A água é um recurso primordial, considerado o recurso do século e essencial para toda a sociedade. Há muito em jogo nessa proposta legislativa. Esperamos que, ao menos desta vez, os interesses particulares não se sobreponham da coletividade.
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