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Diz um antigo provérbio de origem desconhecida que há dois tipos de pessoas com quem se deve tomar cuidado: os tolos com sorte e os néscios com iniciativa. Os tolos sortudos acreditam que o bafejo da fortuna é uma dádiva inesgotável e assim abusam dela fazendo aquilo que os tolos sabem fazer melhor: tolices. Os néscios com iniciativa são perigosos, porque, em vez de ficar em repouso sem atrapalhar ninguém, acham que têm uma contribuição a dar ao mundo e os resultados são previsíveis. Quando o cartunista Paixão fez nesta mesma página, a charge demolidora de Carlos Alberto Parreira projetando uma sombra de burro, resumiu brilhantemente o que o país todo achava do comando da seleção. Sabido quem é o néscio com iniciativa, a identidade do tolo com sorte está na cara, não é mesmo? Aliás, "tolo com sorte" tem 13 letras.

A julgar pelo que aconteceu com a seleção brasileira, o futebol parece ser uma ciência arcana, impenetrável, cujos mistérios escapam ao observador comum e só são entendidos por um pequeno grupo de iniciados. Levar para a Copa jogadores que estão na reserva de seus clubes, fazer da competição a oportunidade para recuperar atletas fora de forma como Ronaldo e Adriano, perder 40 dias promovendo "rachas" entre os jogadores em metade do campo para não esgotá-los, deve ser algo de uma profundidade inatingível para mentes pedestres como a nossa, os 180 milhões de torcedores. Entrar em campo na partida decisiva com um time que nunca havia jogado junto durante 90 minutos, também. Esperar faltar 15 minutos para o jogo acabar para promover uma substituição supostamente salvadora são façanhas de que só os tolos sortudos e os néscios com iniciativa são capazes. Do outro lado, os compatriotas de Zizou Zidane deviam estar pensando como o Obelix: "Ils sont fous ces bresiliens!, eles são malucos!

Mas o fracasso da seleção não deve ser creditado apenas à burrice disfarçada de esperteza matreira de Parreira com aqueles olhinhos pequenos, pretinhos, espremidos que nunca enganariam minha avó, a sábia Dona Góia. O fracasso da seleção vai muito além, pois deixa à mostra uma estrutura viciada e corrompida em que os jogadores se auto-escalam e agem como artistas em férias levando as namoradas para cima e para baixo em noitadas intermináveis, sob os olhares complacentes da "comissão técnica" e dos cartolas. Jogadores que não demonstram um mínimo de espírito de corpo, privilegiando a camaradagem típica dos botecos àquele espírito de luta e determinação que cada um de nós, ingênuos torcedores, acredita ser necessária em uma equipe nacional.

Não quero ser conspiratório, mas acredito que as causas do fracasso da seleção vão muito além da burrice e do sibaritismo irresponsável. O futebol virou uma indústria bilionária dominada pelo marketing de algumas empresas multinacionais, que investem milhões na construção de imagens e de símbolos. Em sã consciência, acredito que nos contratos de patrocínio existem cláusulas e acordos secretos exigindo a escalação de determinados jogadores, pois, afinal, para que gastar milhões de dólares promovendo um ídolo apenas para vê-lo sentado no banco de reservas? Acredito piamente que o "Professor Parreira" e seu amuleto de 13 letras eram os últimos a saber quem os patrocinadores determinavam que deveriam entrar em campo ou não. E acredito, também piamente, que se viessem à tona os negócios que envolvem a seleção e a CBF, os Professores Luizinhos e os João Paulo da Cunha da vida corariam de vergonha por terem se vendido por tão pouco ao Marcos Valério enquanto que em outras paragens...

É o momento também de nós brasileiros fazermos um mea culpa coletivo. Está na hora de parar com essa paixão histérica pelo futebol que paralisa o país, drena as energias nacionais e provoca decepções indescritíveis. Fico pensando em quantas mulheres e crianças apanharam de seus maridos e pais enfurecidos depois do jogo da França, em quantas brigas vulgares de boteco se transformaram em crimes de morte, em quantos por cento do PIB se perderam no dia seguinte por conta da apatia e do mau humor coletivo da população frustrada. Fico imaginando o quanto de energia a imprensa gastou para cobrir a seleção brasileira nos seus mínimos detalhes, observando extasiada as façanhas de seus craques nos treinamentos (só nos treinamentos), as embaixadas e firulas com a bola, criando e repercutindo tolices como o tal quadrado mágico, bolando apelidos épicos para os jogadores, como o "Imperador Adriano", o Fenômeno, o isso, o aquilo... A seleção não é digna de tanto amor por parte de uma nação inteira. Enquanto as pobres mulheres e os filhos dos torcedores exaltados sofriam brutalidades, o Fenômeno se deliciava com sua doce Raica e Roberto Carlos confraternizava com seus amigos da noite. Enquanto uma multidão de brasileiros comuns, de geraldinos, ia para o trabalho amargurada para fazer hora extra e compensar a folga concedida para ver os jogos do Brasil, os guerreiros repousavam em paz em seus refúgios europeus cansados de tanta glória, apenas respingada pelo fracasso pois, afinal, como declarou o sábio Cafu, o que aconteceu conosco é que nem sempre os melhores ganham.

Deveríamos dedicar à seleção, no máximo, aquele poema do Pablo Neruda: "Embora essa seja a última dor que ela me causa ... e estes sejam os últimos versos que eu lhe escrevo".

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Mestrado da FAE Business School em Organizações e Desenvolvimento.

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