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Geração própria de energia: A voz do povo não pode ser “fake”
| Foto: Pixabay

Desde 2012, o consumidor brasileiro pode gerar a própria energia e receber créditos em sua conta de luz, economizando. Essa possibilidade veio por meio da edição da Resolução Normativa 482, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Em maio de 2018, a agência deu início ao processo de revisão desta norma, propondo a revisão da forma como é valorada a energia produzida pelo consumidor a partir de fontes renováveis, por meio de sistemas de geração distribuída.

De acordo com a Aneel, ao permitir a compensação integral da energia consumida da rede de distribuição pela energia injetada, o "prosumidor" (como é chamado o consumidor que produz a própria energia) deixa de remunerar alguns agentes do setor elétrico, que vão ter de buscar sua remuneração por outras vias – como, por exemplo, por meio de aumento tarifário aos demais consumidores.

Por outro lado, a geração de eletricidade próxima aos centros de consumo é benéfica ao setor elétrico, auxiliando no fortalecimento de diversos atributos importantes, tais como a redução de perdas técnicas (aquelas que ocorrem porque a energia precisa ser transportada por grandes distâncias), a redução no fator de carga das redes (reduzindo a necessidade de expansão da rede de distribuição e/ou aliviando a rede em momentos críticos), a redução – no médio e longo prazo – da quantidade de energia a ser contratada em leilões para abastecimento da sociedade etc.

A Análise de Impacto Regulatório publicada pela Aneel em janeiro de 2019 foi marcada por um erro metodológico em uma das planilhas de cálculo

O grande desafio que se colocou à frente da Aneel foi, assim, o de calcular o benefício e o impacto de cada um dos lados da balança de modo a se conseguir chegar a um possível caminho ideal – caso a análise gere resultados concretos, isentos e embasados, capazes de demonstrar o desequilíbrio e o dano imediato passível de ser causado pelo caminho atual.

De maio para cá, muitas discussões, debates e análises foram feitas por todos os agentes do setor. Para não alongar muito este texto, citaremos apenas um exemplo, que, a nosso ver, é bastante icônico e representativo do momento atual. A Análise de Impacto Regulatório publicada pela Aneel em janeiro de 2019 foi marcada por um erro metodológico em uma das planilhas de cálculo, que fez com que o resultado obtido trouxesse um equívoco com relação ao possível impacto causado pela geração remota ao setor elétrico. O tamanho do equívoco? Módicos bilhões de reais. Reconhecido o erro e corrigida a planilha, a própria metodologia adotada pela agência levaria à recomendação de alternativa de mudança mais branda para a geração remota do que a trazida na análise anterior e, por consequência, sugerida pela Aneel como caminho a seguir em sua nota técnica. Ou seja, a geração remota poderia sofrer desvalorização de sua energia na casa de 28% (alternativa 1) em vez dos cerca de 40% (alternativa 3) propostos inicialmente.

Não obstante isso, as manifestações recentes dos diretores da Aneel têm indicado que a agência considera, na verdade, adotar premissa ainda mais severa para ambas as modalidades (junto à carga e remota), ao que parece desconsiderando o equívoco anterior, as análises anteriores e a mensuração de qualquer benefício da geração distribuída ao setor.

Esses fatos, aliados a recentes entrevistas e colocações bastante controversas, têm alimentado nos consumidores, nos trabalhadores, nos empresários e na sociedade a preocupação de que o processo de revisão da REN 482 possa falhar em sua missão de realizar uma análise metodologicamente acertada, tecnicamente forte e, acima de tudo, imparcial sobre este importante momento vivido no setor. Essas preocupações têm se manifestado de diversas formas, incluindo as quase 200 mil assinaturas que a petição criada pedindo o #CenarioZero482 já tem. Para garantir que não haverá dúvida de que existe uma grande parcela da sociedade que apoia a geração distribuída e defende, ao menos por ora, a manutenção das suas regras tais como estão, iniciou-se de forma orgânica um movimento que diz claramente: #TaxarOSolNão.

É bastante claro que o processo de revisão em questão não objetiva estabelecer uma taxação ao uso da irradiação solar. Contudo, é inegável que o efeito prático ao cidadão, consumidor, comerciante e produtor rural será praticamente esse: o do desestímulo. Desestímulo à geração própria num momento em que essa possibilidade traz mais de 45 mil empregos ao país, R$ 6,5 bilhões em investimentos e, quiçá, a economia de 90% nos custos com eletricidade do poder público, se o Executivo for bem sucedido no desenvolvimento de projeto de geração própria por meio do sol, conforme recentemente anunciado pelo nosso presidente (mas somente se sair antes da revisão da REN 482).

Logo, #TaxarOSolNão é, como aprendemos no colégio, a metáfora sendo usada para ajudar a explicar a realidade de forma mais lúdica – chamando a atenção para que as pessoas procurem conhecer o tema e se engajar mais. Em processos complexos, o lúdico é essencial. No setor elétrico, um bicho extremamente complexo, essa pode ser a única forma de verdadeiramente se envolver mais a sociedade. Não é exatamente isso que a Aneel faz ao dizer que “a nossa conta de luz tem vilões”? Ou será que ela espera mesmo um mocinho? Será que devemos contar que esse mocinho é a geração distribuída?

A sociedade tem enviado uma mensagem clara de que há um descontentamento profundo com relação à forma como a revisão da REN 482 tem sido conduzida pela agência. É no mínimo triste que a resposta da Aneel a tal mensagem não seja buscar compreender o descontentamento e, se possível, demonstrar a tecnicidade e imparcialidade de suas análises, construindo o diálogo, mas sim descreditar o movimento, as pessoas e o esforço feito.

Se a voz do povo, que dizem ser a voz de Deus, é falsa, qual será a verdadeira?

Bárbara Rubim é CEO da Brigth Strategies.

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