O aumento do teto de gastos seria a melhor decisão no longo prazo? Pagar agora e usufruir depois, ou pagar depois e usufruir agora? Em seu livro O valor do amanhã, Eduardo Giannetti reflete sobre o peso e as consequências dessa decisão, relacionando o conceito da aplicação de juros como preferência temporal em diferentes cenários de nossas vidas, além do econômico.
O exercício da paciência visando ganhos, rendimentos e compensações futuras leva em consideração o ciclo de vida, a maturidade, as influências sociais e religiosas, bem como o comportamento natural do ser humano. A incerteza do amanhã nos pede cuidado com nossas ações hoje, tendo em vista uma estabilidade futura, seja na saúde, com uma alimentação equilibrada e prática regular de exercícios hoje; seja na carreira profissional, com investimentos em especializações e atualizações; seja na doutrina religiosa, à luz da recompensa prometida na eternidade; ou seja na segurança econômica, poupando e investindo hoje, prevendo maiores rendimentos futuros e estabilidade financeira.
Mas por que o puritanismo da espera? Não seria esse um preço alto demais para se pagar? A sobremesa preferida, um novo vestido ou acessório para o carro, uma agradável bebedeira de domingo com os amigos poderiam ser justificados pela máxima Carpe diem!, mitigando nossa preocupação com quilinhos a mais ou doenças cardiovasculares, dos gastos com o que mereço – e não com o que realmente preciso, e da reunião às 8 da manhã na segunda-feira?
“Desfrutar o momento ou cuidar do amanhã? Viver melhor agora, satisfeito com o que foi alcançado, ou poupar e investir tendo em vista um futuro melhor? Ócio ou trabalho? (...) Compensa esperar? E, caso compense, em que medida?”, questiona Giannetti. Fatores sociais e experiências de vida podem influenciar a tomada de decisão dos indivíduos. Um estômago vazio não espera, não avalia se haverá dias sem alimento no futuro: a tentação de um prato cheio em sua frente é quase irracional, é imediata. O conflito entre as escolhas atuais e as expectativas futuras é um dilema incessante da condição humana, e encontrar um equilíbrio, mediado pelo fator tempo, entre o que realmente se deseja e como alcançá-lo é o maior desafio do indivíduo.
Sabendo disso, é possível inferir que o conceito de preferência temporal também é aplicável às decisões políticas. Recentemente, o ex-presidiário e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu, em sua conta no Twitter, revogar o teto de gastos da União caso seja eleito em 2022 – lei esta que, criada em 2016 pelo governo de Michel Temer, objetiva limitar os gastos do governo até 2036, controlando a dívida pública. Em sua postagem, Lula esbraveja contestando o “benefício” dos banqueiros versus o baixo investimento em programas sociais, citando os R$ 300 oferecidos no auxílio emergencial durante o período da pandemia.
Acontece que muitas outras despesas entram nessa conta e, como já sabemos, não existe almoço grátis! Por exemplo, o teto de gastos limita também as despesas com o funcionalismo, seus salários, gastos previdenciários, auxílio-maternidade, pensões etc. Logo, ao mesmo tempo em que um reajuste nesse limite possibilitaria um aumento na verba para programas sociais, daria margem para um aumento na remuneração do funcionalismo, afastando-nos da quitação da dívida pública. Isso, somado aos juros, obrigaria o reajuste no recolhimento de impostos, retirando da carteira do brasileiro o “benefício” que lhe seria concedido “de graça”.
Mas o mais comum é o pensamento de curto prazo dos governantes. É mais fácil criticar o baixo “investimento” em programas sociais sem esclarecer as consequências dessas despesas. O discurso é bonito e conquista os votos daqueles que não entendem ou desconhecem totalmente o processo.
Para custear as parcelas do coronavoucher, o governo Jair Bolsonaro, em fevereiro deste ano, já tinha gastado 4% do PIB (cerca de R$ 295 bilhões), financiado pela emissão da dívida pública, que já beirava R$ 5 trilhões em 2020. Essa dívida só pode ser quitada arrecadando mais do que gastando, ou seja, por meio do recolhimento de impostos, ou de políticas monetárias que controlam a oferta de dinheiro em circulação e seu valor (juros, inflação etc.), refletindo-se em toda a cadeia econômica – da geração de empregos ao controle de consumo –, com impactos imediatos, no médio e longo prazo, pagos pelos mesmos “beneficiados” com o auxílio.
Eis, então, a solução: “vamos taxar as grandes fortunas!” Assim, aqueles com menor renda não serão afetados! Mas isso é verdade? Um empresário que passa a ser fortemente taxado pelo governo manterá sua fortuna neste país? Continuará investindo e gerando empregos aqui? A troco de quê ele veria seu capital escorrer pelos seus dedos sabendo que existem outros países com impostos muito menores? Ou seja, uma ação como essa afetará diretamente a economia e o aumento do desemprego no país. Mas essa parte ninguém conta, não é mesmo? Como diria o próprio Eduardo Giannetti: “A liberdade de escolha desligada da capacitação para o seu exercício é uma expressão vazia. É a liberdade de um semianalfabeto para ler Joaquim Nabuco ou de um mendigo famélico para jantar fora. O mínimo legal não basta”.
Diante deste exemplo, podemos voltar à reflexão: pagar agora e usufruir depois ou pagar depois e usufruir agora?
A dívida externa é uma herança que se arrasta de governo a governo. Mas tudo bem; desde que as campanhas sejam focadas em benefícios sociais e dinheiro imediato na conta dos mais necessitados, o próximo governo que pague (contém ironia)!
Fica a lição de Adam Smith: “Aquilo que se pode comumente dar pelo uso do dinheiro é necessariamente regulado pelo que se pode comumente obter pelo seu uso”.
Katelline Curvelo cursa MBA em Gestão de Negócios, é graduada em Secretariado Executivo Bilíngue e é gerente executiva de Operações no IFL-SP.
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