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Opinião do dia 2

Antes do metrô, o planejamento

A modelagem de transporte realizado com "softwares" é uma técnica que Curitiba, tida como cidade do primeiro mundo, ainda não começou a utilizar. A cidade paulista de Ourinhos tinha, em 1997, um sistema de transporte coletivo bastante deficiente: estava infestada de moto-táxis que, clandestinamente, realizavam o deslocamento de pessoas de um ponto a outro, cobrando a metade do valor da tarifa de ônibus para transportar os passageiros. A situação era preocupante: o transporte por moto-táxi crescia indiscriminadamente e as pessoas cada vez mais preferiam esse meio "alternativo", apesar do risco que corriam.

A prefeitura decidiu realizar estudos baseados na metodologia utilizada pelo planejamento de transportes e contratou uma consultora de Curitiba para elaborar e apresentar um plano de transporte coletivo para a cidade.

A consultora elaborou o plano nos modernos moldes existentes, utilizando softwares de uso consagrado, e apresentou um projeto implantado em 1998. Seis meses depois, não se via mais moto-táxis circulando. Os passageiros preferiram voltar a utilizar os ônibus, sistema que passou a atender às suas expectativas. Hoje não se vê mais o uso de moto-táxis como meio de transporte local.

Mas como foi que se apresentou ao usuário de ônibus um sistema que atendesse às suas expectativas?

O planejamento de transportes começa com a pesquisa das linhas de desejo da população. Existem as linhas de desejo da população usuária de ônibus e, num plano mais amplo, as linhas de desejo da população da cidade. A pesquisa da linha de desejo da população é extensa e cara, envolvendo um grande contingente de pessoal. As linhas de desejo dos usuários de ônibus, por outro lado, podem ser determinadas a partir de pesquisas simples e baratas, entrevistando-se adequadamente os passageiros de ônibus. Conhecida a matriz de origem-destino, identificam-se as tais linhas de desejo dos usuários. A análise desses dados permite identificar quais são as expectativas e, assim, é possível elaborar um sistema que atenda aos interesses dos que já fazem uso do transporte público. Os modernos softwares alocam as linhas e ajustes manuais são realizados por pessoal experiente, para se chegar ao sistema mais eficiente possível.

Quando um sistema de transporte coletivo é eficiente, ocorrem conversões do tráfego individual para o coletivo. A identificação de um sistema que venha a atrair usuários do transporte individual deve partir da pesquisa de linha de desejo da população da cidade, estudo muito caro. Todavia, se houver um sistema eficiente de transporte coletivo, uma parte dos usuários de automóveis também acaba mudando para ônibus; basta que percebam que o sistema de ônibus torna o transporte mais barato que o de automóveis. É evidente que é necessário considerar que o custo do transporte por automóvel não deve envolver somente o preço do combustível, assim como o custo do transporte por ônibus não é composto apenas pela tarifa. Outros valores estão envolvidos nos dois sistemas. Cada usuário irá fazer os cálculos considerando todos os aspectos – financeiros ou não – envolvidos (conforto, segurança, tempo de viagem etc.) e optará pela melhor solução.

A prefeitura de Curitiba considera que a população não quer andar de ônibus. No entanto, o indivíduo, em geral, escolhe o sistema que apresenta o menor custo. Na capital do Paraná, apesar dos congestionamentos, ainda é mais vantajoso andar de carro que de ônibus quando se considera todos os custos envolvidos nos dois modelos. Quando o sistema de transporte coletivo apresentar um custo total menor que o do deslocamento individual, com toda certeza os indivíduos darão preferência ao ônibus. Em Tóquio, as pessoas utilizam o sistema de metrô e nem mesmo pensam em ir de carro para o trabalho.

Em Curitiba, por outro lado, fala-se muito na necessidade de trocar o sistema de transporte coletivo pelo sistema de transporte de massa, anunciando as intenções de se construir o metrô de Curitiba, alegando que o transporte coletivo atingiu a seu limite e que somente um sistema de transporte de maior volume poderia resolver o problema da cidade.

Em Bogotá, na Colômbia, foi construída no final de 2000 uma linha para transporte coletivo de ônibus, utilizando veículos articulados semelhantes aos existentes em Curitiba. Utilizou-se um sistema também parecido, pois foram criadas canaletas exclusivas para os ônibus, que transportam 40 mil passageiros/hora por sentido. Por lá, ainda não estão falando em metrô. A canaleta da Av. República Argentina, em Curitiba, transporta, atualmente, cerca de 10 mil a 15 mil passageiros/hora por sentido no horário mais crítico. Se o sistema da linha da República Argentina fosse eficiente como o de Bogotá, não haveria, a curto prazo, necessidade de se falar em metrô para Curitiba.

Pedro Akishino é engenheiro civil e professor de Engenharia de Tráfego e Segurança de Trânsito da UFPR.

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