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Zuenir Ventura (esquerda) e Antonio Cicero (direita), conversam na sede da Academia Brasileira de Letras em julho de 2022 no Rio de Janeiro (Brasil).
Zuenir Ventura (esquerda) e Antonio Cicero (direita), conversam na sede da Academia Brasileira de Letras em julho de 2022 no Rio de Janeiro (Brasil).| Foto: EFE/André Coelho

O poeta e compositor Antonio Cicero morreu na quarta-feira (23) por eutanásia. Foi na Suíça, onde é legalizado. No Brasil, a prática é proibida. Eutanásia é uma forma de suicídio, só que com dia e hora marcadas, indolor, acompanhada por um médico, normalmente para pacientes em estado terminal. Parece diferente de quando a pessoa tira a vida no meio da angústia extrema, num ato de supetão quase, embora muitos suicidas se programem em algum grau, deixando cartas e até contas pagas. De toda forma, com ou sem hora marca, a pessoa escolhe morrer, geralmente, como consequência de uma dor considerada insuportável.

Antonio Cicero pontuou em sua carta de despedida que tinha todo direito e liberdade de decidir como viver e ir embora. E ele está certo: a vida era dele, apenas Cicero sabia de suas dores e delícias. Ele disse que o sofrimento com o Alzheimer era “insuportável”, e isso o levou a encerrar a vida aos 79 anos. Imortal na Academia Brasileira de Letras, era também letrista e filósofo. Sua contribuição para a cultura brasileira não foi pouca.

O suicídio, mesmo descrito com palavras bonitas, não é algo natural. É triste e doloroso para quem fica e uma decisão pautada no medo, dor e desespero. É o último ato da falta de esperança

Queria poder pegar em sua mão e dizer que tudo ficaria bem, mas só conheci Antonio Cicero através das músicas icônicas que ele compôs, como Último Romântico, que ficou conhecida na voz do cantor Lulu Santos, e Fullgás e À Francesa, ambas sucesso na voz da sua irmã, a cantora Marina Lima. Um dos seus livros mais conhecidos é Guardar, de 1996.

De novo, cada um sabe de si e, embora eu acredite que a Deus cabe o dia de nascer e morrer, não julgo. Mas me incomoda ler, inclusive em textos de formadores de opinião, aplaudirem o que Antonio Cicero fez. Entendo a homenagem na linha de “saiu da vida com classe e dignidade”. Algo parecido como as últimas palavras da carta do ex-presidente Getúlio Vargas: “Saio da vida para entrar na História”.

Mas, será isso mesmo? Tenho lá minhas dúvidas se podemos chamar de um ato de coragem. Passamos boa parte da vida tentando nos esquivar da morte. Evitamos pegar a estrada com chuva à noite, damos o celular para o bandido para não levar facada, entre outras coisas que nos faz ter a ilusão de que controlamos algo. Respeitar o que a pessoa decidiu, ainda que discordando ou lamentando, é uma coisa. Romantizar a eutanásia é outra.

O suicídio de Antonio Cicero, assim como qualquer outro, mesmo descrito com palavras bonitas, não é algo natural. É triste e doloroso para quem fica e uma decisão pautada no medo, dor e desespero. É o último ato da falta de esperança. Da forma poética como alguns abordaram, alçando a um ato corajoso, coloca o suicídio como algo natural, uma espécie de opção caso a vida não dê certo. Não é.

Não é solução nem algo inevitável. Se romantizada, pode dar a ideia errada para quem passa por uma depressão, para quem flerta com a morte nesse momento. Pode suscitar a banalização de tirar a própria vida, especialmente entre adolescentes, ainda tão suscetíveis a opinião alheia e onde casos de suicídio crescem assustadoramente. A dor de quem acaba com a própria vida, como Antonio Cicero, deve ser respeitadas. Compreendida, talvez. Mas colocada como algo natural, belo e digno de aplausos, acho que não.

Raphaela Ribas, jornalista com especialização em Marketing na Austrália, é repórter nas áreas de economia e energia na Gazeta do Povo. É uma das Top 10 jornalistas +Premiados de 2023 (Jornalistas & Cia).

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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