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| Foto: Fernando Mengoni/Free Images

Uma das características da democracia é ser pautada pela tolerância à diversidade, uma maior e bem-vinda aceitação de comportamentos e formas de viver. No entanto, a atual supremacia da sobrevivência individual, manifestada mais marcadamente pela busca de bens materiais, em detrimento do espaço coletivo, tem produzido nas estruturas estatais, nas quais deveria ser realizada a produção do bem comum, a prevalência total e absoluta do interesse privado. A corrupção se instala em paralelo ao pleno exercício da liberdade e direito de escolha e fiscalização dos governantes, estando presente em todas as democracias modernas, em alguns países mais acentuadamente que em outros.

Muitos filósofos analisam que, do ponto de vista da ética, enfrentamos hoje uma mudança sutil no conceito de corrupção, antes identificada como a degradação da coisa pública, vista de modo mais evidente na apropriação direta do dinheiro público, mas manifesta também nas inúmeras faltas cometidas por aqueles que detêm o controle sobre algo que possa ser transformado em “favor” ou privilégio para amigos e aliados, ainda que ao arrepio da lei e da decência.

Embora haja ligação entre um sentido e outro, o aceite e a oferta de suborno implicam em desgaste dos costumes, o que provoca a diminuição da força do regime político que mais exige o respeito ao bem público, a democracia. E esta não é apenas diminuída nas questões monetárias, mas também na questão do modelo não republicano de comportamento eventualmente exibido por aqueles eleitos para a defesa de uma comunidade.

Não pode existir meia honra, dado que representaria a fragmentação do sujeito

Isso é particularmente grave quando atinge em cheio a representatividade política, chegando à discussão do decoro, normalmente em seus dois aspectos: a caracterização de atos impróprios ao exercício do mandato, assim como a exposição pública da (in)dignidade ou (des)honra do comportamento do parlamentar.

O decoro tem seu papel na vida cotidiana de qualquer cidadão, pois não é possível isolar a identidade profissional das demais identidades da vida, e nesse sentido este é o espaço da esfera privada e pessoal que reforça (ou destrói) o funcionamento das instituições que nos representam. Para o bem ou para o mal, a conduta desonrada é reconhecida socialmente e não se esgota no indivíduo que a cometeu, mas compromete todo o coletivo a que pertence, e podemos falar de uma honra grupal a ser preservada, expressa naquilo que, em regimentos e manuais, é denominado “decoro parlamentar”.

Leia também: O paradoxo da honestidade (editorial de 27 de outubro de 2017)

Leia também: O significado do decoro (editorial de 31 de agosto de 2017)

Em cursos superiores são estudadas as literaturas sociológicas de um campo conhecido como Antropologia da Honra, na qual uma das definições declara que “a honra é o valor da pessoa a seus próprios olhos, mas também aos olhos da sua sociedade”. Portanto, a honra é vista como conceito valorativo, vigente na relação entre personalidades sociais, estabelecendo nexo entre indivíduo e a agremiação à qual pertence, que se refere à imagem pretendida, à dignidade e ao prestígio que queremos ter dentro de uma determinada coletividade.

O anonimato das grandes cidades e a multiplicidade dos valores, o controle da opinião pública, a existência de “ilhas da fantasia” onde pessoas transitam em círculos restritos às suas respectivas classes sociais, fazem com que o reconhecimento não seja mais implementado pelos relacionamentos face a face, mas sim por um conjunto midiático, trazendo um certo distanciamento da realidade, um predomínio do autoconceito sobre a imagem pública.

A honra, assim, é um ideal de personalidade, um acatamento de certas regras de conduta, inerentes não apenas ao prestígio e dignidade que pretendemos ter na vida cotidiana em família, no círculo de amizade, mas também na vida profissional. Não pode existir meia honra, dado que representaria a fragmentação do sujeito, o aceite do “faça o que eu digo, mas não o que eu faço”, contra o qual todo o sistema educativo tem combatido.

Wanda Camargo, educadora, é assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil (UniBrasil).
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