No inverno norte-americano de 2008 visitamos o primeiro comitê da campanha de Barack Obama à Casa Branca, um escritório simplório no lado feio de Chicago. Logo convertidos ao clima do staff que recebeu a delegação da OAB, saímos entre entusiasmados e perplexos. Se por um lado era evidente o significado da ousada candidatura não anglo-saxã, por outro, parecia impossível esperar a vitória do senador de Illinois, sequer na convenção do Partido Democrata. Afinal, era duro o páreo com a senhora Clinton, que trazia ainda a questão de gênero e seu manancial de razões e rancores iguais ou superiores aos dilemas raciais. O tempo é voraz: a história acelerou-se, a natureza deu saltos e Obama já inicia o segundo ano de mandato. Seu primeiro mérito foi realinhar os democratas, depois de duros confrontos internos. Hillary Clinton demonstrou grandeza para superar a guerra das prévias e compor com o ex-contendor. E nessa condição chega hoje a Brasília, nem a secretária de Estado do adversário de ontem, o presidente norte-americano de nome islamizado.
Em seu primeiro ano de governo, a par da crise financeira que devastou Wall Street, Obama consolidou, no plano interno, a imagem de líder democrata, que seus poucos cabelos brancos pareciam não autorizar. Contra lobbies poderosos, enfrentou a crise econômica e fez aprovar o pacote de leis de saúde pública e propôs regras para domar o frenesi de especulação financeira e a farra dos banqueiros.
No plano externo, no entanto, viu avolumarem-se impasses, ao manter guerras simultâneas, no Iraque e no Afeganistão, com déficits orçamentários não vistos desde a Segunda Guerra Mundial. Nesse cenário de dificuldades, enfrentar efeitos da crise financeira, criar empregos e cortar gastos públicos é missão impossível, a gerar descontentamento mesmo em seu eleitorado. A flutuação das pesquisas de aprovação de seu governo tem refletido perplexidade: como conciliar a persona humanista do Prêmio Nobel da Paz com a firmeza de chefe de Estado que mantém guerras herdadas.
Se de fato, como crê a América profunda, governar é apenas controlar dinheiro, a recente aprovação do orçamento de 2011 revela qual a proa de Washington. Na rubrica dos fundos de auxílio externo, as prioridades de Obama são a Ásia, a África e o Oriente Médio. Já a América Latina teve recursos reduzidos em 10%, o que bem demonstra os humores que tem provocado no Salão Oval. Isso contrasta com as promessas feitas há menos de um ano, na Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago, quando o presidente norte-americano afirmou: "Estou aqui para abrir novo capítulo de compromissos, que deverá manter-se ao longo de toda minha presidência".
Diante de todo o imbróglio nos demais continentes, Obama talvez não possa perceber a América Latina nem como problema, nem como capaz de resolver algum de seus problemas. Para a América do Sul, e para o Brasil, em particular, preocupa no governo norte-americano a falta de iniciativas na abertura comercial, a insistência no protecionismo selvagem, bem como a desobediência às decisões da Organização Mundial do Comércio. No diálogo que se dará em Brasília, entre a secretária de Estado e o chanceler brasileiro, a agenda de pontos a ponderar terá muitos gargalos, apesar da irrelevância com que se quer rotular o subcontinente. Temas como Irã, Oriente Médio e Conselho de Segurança suscitarão gestos amistosos e palavras de esperança. O mesmo não se pode prever quando o tema for a medida provisória que permite a retaliação brasileira à economia norte-americana como decorrência de decisão da OMC, também na área de patentes e de direito do autor. O tema é crudelíssimo e não será surpresa se a anunciada visita de Obama ao Brasil ficar para as calendas gregas. Menos mal que se espera a criação de foro permanente de consultas bilaterais, o que contribuirá para que não se regrida à frieza de relações Brasil e Estados Unidos da era Henry Kissinger, que costumava ordenar a seus assessores: crise na América Latina só se houver lugar na agenda.
Jorge Fontoura, doutor em direito, é membro-consultor do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e professor-titular do Instituto Rio Branco