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Apesar da dor, o orgulho de ser deficiente

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“A Kristen faleceu.” Jamais vou me esquecer de quando soube que minha melhor amiga morrera. Eu tinha só 11 anos. Morávamos na mesma cidadezinha e frequentávamos a mesma escola. Ela tinha espinha bífida e problemas nos rins. Depois de anos fazendo diálise, foi a falência renal que acabou matando Kristen.

Hoje, aos 37 anos, perdi a conta do número de pessoas queridas que se foram, mas sei que são bem mais de vinte. Amigos morreram. Colegas também. Namorados. Até meu primeiro amor morreu, anos atrás. A cada ano perco pelo menos alguns que me são caros, e sei que isso não vai mudar. A morte das pessoas próximas a mim é algo que aprendi a aceitar.

No mês passado mesmo, minha amiga Carrie Ann Lucas faleceu, depois de seu plano de saúde ter se recusado a pagar pelo remédio de que ela precisava. Sim, sofria de uma doença progressiva, mas os sintomas eram exacerbados porque não recebia cuidados adequados.

Outros pioneiros na comunidade de deficientes, que eu admirava, também se foram recentemente: a dra. Anita Silvers, professora de filosofia da Universidade Estadual de San Francisco, por complicações de uma pneumonia; o professor Mike Oliver, da Universidade de Greenwich, na Inglaterra, após uma doença curta. Ele, aliás, é conhecido por ter desenvolvido o modelo social da deficiência.

Nasci com artrogripose, doença que afeta os músculos e as articulações. Uso uma cadeira elétrica e tenho movimentos limitados dos braços e pernas. Ser deficiente é normal para mim. De fato, é a única realidade que conheço – e também algo do qual tenho imenso orgulho.

Algumas deficiências estão associadas a uma expectativa de vida menor, mas muitas, não

Porém, toda vez que um amigo deficiente morre, eu me vejo questionando muitas coisas na minha vida, e uma dúvida vira e mexe volta à minha cabeça: como é possível continuar tendo orgulho quando estou o tempo todo cercada pela morte? Nem sempre é fácil. Na verdade, às vezes parece impossível. Isso porque alguns dos meus amigos morreram por conta de doenças e complicações, mas também por causa de sistemas falidos que não dão valor à vida das pessoas deficientes.

Algumas deficiências estão associadas a uma expectativa de vida menor, mas muitas, não. E, graças aos avanços nos tratamentos e na tecnologia, gente que antes era considerada terminal está vivendo mais. Stephen Hawking, que conviveu décadas com a esclerose lateral amiotrófica, é prova disso; ainda assim, fazer parte dessa comunidade significa viver cercada não só de vida e apoio, mas também da morte.

As pesquisas mostram que quem tem algum tipo de deficiência morre mais jovem que quem não tem. Às vezes, sua expectativa de vida é encurtada pela própria condição, mas nem sempre é o caso. Em um estudo, os especialistas concluíram que o deficiente tem maiores probabilidades de morrer de doenças coronárias, câncer, AVC, doenças respiratórias, suicídios acidentais e ataques. E, embora pesem os fatores físicos e circunstanciais, geralmente é a forma como somos tratados que contribui para a morte precoce.

Para começar, o deficiente enfrenta barreiras enormes no acesso à assistência médica. Tem maiores chances de morrer devido à brutalidade policial (o número é ainda mais alto entre as pessoas de cor) e é mais propenso a ser vítima de violência. Geralmente, ele também é pobre e enfrenta dificuldades materiais.

Vivi cercada de deficientes a vida toda. É entre eles que me sinto mais à vontade comigo mesma, pois, além de compreenderem minhas experiências – boas e ruins –, oferecem excelentes perspectivas sem tentar mudar a mim ou minha deficiência. Não a encaram como tragédia ou algo de que se envergonhar. Entendem a dor de cabeça que é quando a companhia aérea quebra minha cadeira ou o assistente de cuidados pessoais não aparece, mas também reconhecem como o orgulho é importante.

Ser parte dessa comunidade me fez ser quem sou, e não só no sentido físico. Tive experiências belas e ricas, não apesar de ser deficiente, mas justamente por causa disso. Conheci pessoas absolutamente incríveis, às quais jamais teria acesso se não fosse assim. Minha condição também influenciou muito meu trabalho. Primeiro como assistente social, e agora como advogada e pesquisadora, eu me comprometi a lutar pelos nossos direitos. Minha deficiência e as experiências que tive me tornam melhor para a função que desempenho. É muito provável que não atuaria nesse campo se não fosse deficiente, e sou muito grata por poder fazer o que faço.

Nem todo mundo entende o orgulho pela deficiência, que fica bem aparente quando um deficiente morre e quem não é quase sempre faz os mesmos comentários sem noção nenhuma: “Não está mais sofrendo”, “Agora está livre para correr”, “Ele finalmente está curado e dançando entre os anjos”. Não posso dizer que essas coisas não me incomodam, porque irritam, sim. São comentários que diminuem a vida tanto de quem morreu como de quem continua vivo. A maioria de nós não liga de não correr; não estamos sofrendo e não, não queremos ser curados.

Nas horas mais difíceis, às vezes me vejo questionando o porquê de me permitir continuar cercada pela morte. Ter amigos deficientes implica em perdas frequentes; a morte e a deficiência andam juntos. Acontece que, para evitar esse luto constante, eu teria de me afastar de uma comunidade que adoro.

Sob vários aspectos, acredito que viver cercada pela morte me permite viver uma vida mais rica. Tento aproveitar ao máximo o tempo que passo com pessoas queridas, cem por cento consciente de que aquela pode ser a última vez que as vejo. Faço questão também de viver o momento, apreciando as pequenas coisas. Por ter enfrentado tantas perdas, sei bem da importância de aproveitar os bons momentos.

A morte é inevitável, mas, por causa da minha condição, sei muito bem que ela está intrinsecamente ligada à deficiência. E, também por causa dela, minha vida se tornou muito mais rica, ainda que tenha enfrentado dores incomensuráveis. No fim das contas, compreendi que amarei e sofrerei – e há algo quase libertador em aceitar essa dura realidade.

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