Em breve, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, terá o desafio de desempatar o placar de 5 a 5 no embate entre aposentados e INSS conhecido como “revisão da vida toda”. Por que o caso chegou ao ponto de exigir um voto de minerva? Quem tem razão? Os aposentados ou o INSS?
Antigamente, as aposentadorias do INSS eram calculadas pela média dos últimos 36 salários. A legislação brasileira entendia que a conta beneficiava o aposentado por refletir os salários supostamente mais altos da sua vida. A suposição não era sempre verdadeira. Afinal, não é todo profissional que encontra os maiores salários da vida no fim da carreira. Mas era assim que a lei tratava o assunto, e isso nunca foi seriamente questionado em juízo.
A partir da aprovação da Lei 9.876/1999, as aposentadorias passaram a ser calculadas pela média dos salários recebidos durante todo o vínculo do trabalhador com a Previdência, gerando assim duas consequências: 1. ela trouxe maior equilíbrio financeiro ao sistema ao promover uma aproximação entre valor de contribuição e valor de benefício; 2. e impediu aposentadorias de valor baixo para quem se aposentava circunstancialmente em períodos de baixos salários.
A nova lei, contudo, não teve aplicação integral para todos. Para os filiados à Previdência antes da sua entrada em vigor, ficou definido na norma que o cálculo da aposentadoria abrangeria apenas os salários a partir de julho de 1994 e não os salários da “vida toda”. Assim, muitos aposentados não puderam utilizar no cálculo da aposentadoria os salários altos do período anterior a julho de 1994.
Há quem acredite que a escolha dessa data esteja associada à implantação do real, tendo como propósito evitar discussões intermináveis sobre a correção monetária de moedas já extintas, sabidamente um problema crônico que inchou o Poder Judiciário de processos nos anos 80 e 90. Essa explicação, entretanto, não convenceu quem teve prejuízo no cálculo da aposentadoria. Afinal, se a lei havia criado um sistema para refletir o histórico do trabalhador, reputando tal metodologia mais justa, por que para os mais antigos ela própria impôs uma barreira?
Juridicamente, o tratamento desigual criado em 1999 abre as portas para um longo discurso a favor da isonomia lançando a seguinte provocação: seria justa a discriminação feita entre os trabalhadores filiados à Previdência antes e depois da Lei 9.876? Porém, a inclinação em prol da igualdade traz consigo um sério problema. A isonomia implicaria o recálculo das aposentadorias de quem se beneficiou com a exclusão dos salários do período anterior a julho de 1994, que podem ter sido menores e não maiores! Assim, os aposentados que não reclamam do cálculo feito na época poderiam ter o valor de suas aposentadorias reduzido. A regra de cálculo é uma só. Ou se aplica a todos ou não se aplica a ninguém.
Os aspectos econômicos da controvérsia não são menos complexos. Tivemos índices bem altos de desemprego e queda do nível dos salários nos anos 90. A melhoria do quadro foi lenta e a aposentadoria chegou exatamente nesta época para muita gente. Não obstante a regra da “vida toda” já estivesse em vigor, para os já filiados, os benefícios foram calculados apenas com os salários a partir de julho de 1994. Conclusão: em função do ambiente econômico, o tratamento desigual imposto pela Lei 9.876/99 pode ser considerado injusto. Porém, como a receita da Previdência é constituída predominantemente por contribuições sobre os salários e estava comprometida na época, havia uma exigência técnica de que as aposentadorias refletissem a realidade remuneratória mais recente dos trabalhadores, e não o passado longínquo. Pelo viés operacional, a lei não é injusta.
Como se vê, não é obra do acaso o placar de 5 a 5 no STF. A corte tem no histórico outros casos de grande repercussão, como ocorreu com a discussão sobre a correção de benefícios pelo IGP-DI nos anos 1990; sobre a “desaposentação”, na primeira década do milênio; e, mais recentemente, sobre a aplicação do fator previdenciário. Em todos eles o placar foi mais folgado (respectivamente, 7 a 2 com duas abstenções, 7 a 4 e 7 a 4), sempre com vitória do INSS. Esse retrospecto, porém, não tira a esperança dos aposentados. O STF tem sido rigoroso com os demais poderes em muitas ocasiões e por diferentes motivos. Quem sabe os aposentados se surpreendam desta vez.
Vinícius Pacheco Fluminhan é advogado e professor de Direito Previdenciário na Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas.
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