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Apple X Senacon: quem pagará a conta da intromissão do Estado

Apple alegou que a decisão de não fornecer os carregadores de bateria em conjunto com os smartphones teria sido por preocupação ambiental, para estimular o consumo sustentável. (Foto: Apple/Divulgação)

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Em setembro foi publicada decisão da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça, que determinou a suspensão da venda de iPhones desacompanhados do “carregador de bateria”; a cassação do registro do smartphone a partir do iPhone 12; e a aplicação de multa à Apple, no valor de R$12,2 milhões. Desde outubro de 2020, o iPhone passou a ser comercializado sem carregador/adaptador de parede, sendo vendido apenas com cabo USB-C, em respeito à política internacional de meio ambiente da Apple.

Segundo a Senacon, a conduta da Apple violou dispositivos legais relacionados à “venda casada” e à “venda de produto incompleto”, gerando prejuízos ao consumidor, o que justificaria as imposições supracitadas. Assim, sob uma perspectiva mais superficial, a decisão pode parecer benéfica ao consumidor, que supostamente não precisará pagar pelo carregador. Todavia, um exame mais profundo da situação demonstra que a decisão da Senacon poderá implicar prejuízos ao próprio consumidor, à liberdade individual, ao meio ambiente, à segurança jurídica e, não menos importante, ao empreendedorismo no Brasil.

O empreendedor é obrigado a comercializar os seus produtos da forma como o Estado julga adequada, independentemente dos seus interesses e, até mesmo, das preferências do consumidor.

Do aspecto jurídico, é discutível o entendimento da Senacon de que a Apple violou dispositivos legais do Decreto 2.181/1997. A “venda casada” é definida pela prática de “condicionar o fornecimento de produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço”, o que não ocorreu no caso do iPhone, cuja comercialização não é condicionada à compra do carregador. A “venda de produto incompleto” é relacionada à comercialização de produto “impróprio ou inadequado ao consumo”, o que também é contestável no caso do iPhone, pois o aparelho pode ser recarregado com o cabo USB-C fornecido pela Apple e/ou por indução. Por exemplo, o Kindle é comercializado pela Amazon no Brasil desde 2012 e não vem acompanhado de carregador.

Do aspecto prático, nem todo consumidor tem interesse em utilizar o carregador/adaptador defendido pela Senacon, pois o iPhone pode ser recarregado através de outros dispositivos eletrônicos com o cabo USB-C fornecido com o aparelho. Além disso, há outros tipos de carregadores que podem ser mais atraentes para o consumidor, como os portáteis, veiculares e por indução. Ademais, o consumidor pode ter um carregador antigo ou preferir adquirir modelos de outras marcas, que são inclusive certificados pela própria Apple.

Ao proibir a comercialização do iPhone sem o carregador, a Senacon acaba obrigando a compra indireta do acessório, retirando do consumidor a opção de adquirir o smartphone sem o carregador. Essa situação limita a liberdade individual das partes, atentando contra a autonomia de vontade e contra a autonomia privada, garantidas pela Constituição Federal.

Ao ser obrigada a fornecer o carregador, que é comercializado por cerca de R$ 200, é provável que a Apple repasse o custo ao consumidor, considerando o seu poder de remarcação de preços em decorrência do público fiel de clientes e da qualidade de seus produtos. Nesse aspecto, a própria decisão da Senacon reconhece que a Apple possui “uma larga margem para imposição de preço acima do custo marginal, em razão de sua diferenciação percebida no mercado em relação aos demais competidores”.

Do aspecto ambiental, a Apple defende que o não fornecimento do carregador faz parte dos esforços da empresa para neutralizar as emissões de carbono até 2030: “Por serem compostos de grandes quantidades de materiais específicos, sem eles evitamos a extração de mais de 550 mil toneladas de minério de zinco, cobre e estanho. Com embalagens menores e mais leves, passamos a transportar até 70% mais caixas de iPhone por palete, o que contribui enormemente na redução de emissões”. Além disso, a empresa passou a utilizar componentes reciclados em sua produção, reduziu a utilização de plásticos descartáveis nas embalagens, criou produtos mais eficientes, entre outras medidas. Mesmo assim, a Senacon entendeu que a Apple não demonstrou a efetiva proteção ambiental, destacando que ela segue comercializando o mesmo tipo de carregadores.

Nesse aspecto, independentemente da comprovação pela empresa, é provável que a obrigatoriedade de fornecimento de carregadores, eventualmente não utilizados/desejados pelo consumidor, implique a produção e circulação de equipamentos desnecessários, impactando negativamente o meio ambiente.

Toda essa situação gera um cenário de insegurança jurídica, pois o empreendedor é obrigado a comercializar os seus produtos da forma como o Estado julga adequada, independentemente dos seus interesses e, até mesmo, das preferências do consumidor. Além de sofrer a interferência do Estado na estratégia e condução de seus negócios, o empreendedor, de grande ou pequeno porte, corre o risco de sofrer autuações em valores expressivos. Esse cenário torna o Brasil um ambiente inóspito tanto para o empreendedorismo nacional, quanto para os investimentos estrangeiros.

Portanto, embora a intenção da Senacon possa ser a proteção do consumidor, é muito provável que a decisão comentada, ainda passível de recurso, acarrete mais prejuízos do que benefícios à sociedade. Como dizia Ayn Rand: “Se um homem de negócios comete um erro, ele sofre as consequências. Se um burocrata comete um erro, você sofre as consequências”.

Lucas Garcia Martins, advogados especialista em Direito Empresarial pelo Insper, é associado do IFL-SP, sócio do escritório Souto Correa.

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