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Os artigos publicados pela Gazeta do Povo em 6 de outubro – “Uma verdade inconveniente”, de Anderson Furlan, e “O animal responsável e a irresponsabilidade humana”, de Francisco Razzo – trazem à tona o debate sobre a guarda responsável dos equídeos e todos aqueles denominados “animais de companhia”. Para colaborar com mais reflexões sobre o tema, e para que fiquem claras as intenções na área nos últimos dez anos, é necessário, entretanto, esclarecer alguns fatos recentes.

Em janeiro de 2005, no primeiro mandato de Beto Richa como prefeito de Curitiba, passei a dirigir o antigo Departamento de Zoológico. O órgão, integrante da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA), mantinha sob a sua responsabilidade o Zoológico de Curitiba, o Passeio Público e o Museu de História Natural do Capão da Imbuia. Naquela ocasião, o anseio da sociedade sobre a importância de o poder público tomar providências sobre o caótico cenário existente para os animais na cidade era evidente. Envolvia instituições, militantes da causa e cidadãos indignados com os maus-tratos, sensibilizados com a irresponsabilidade dos que abandonavam (e continuam abandonando) os animais cuja guarda mantinham.

O referencial que sempre impediu maiores avanços na definição da proibição do uso da tração animal sempre foi a questão social

Em reuniões articuladas com o Conselho Municipal de Proteção dos Animais, passamos a discutir o assunto com enfoque técnico e com o apoio de todos os que, de forma organizada, passaram a fazer contribuições para a elaboração do plano “Rede de Defesa e Proteção dos Animais da Cidade de Curitiba”. O texto, de maio de 2009, ainda está disponível, na íntegra, no site criado à época. Com isso, foi possível estabelecer um marco referencial importante na história da proteção dos animais na nossa cidade, pelo qual eu sou grato de ter participado e contribuído.

As ações propostas no texto se traduzem numa série de passos importantes, que deveriam ser dados ao longo do tempo, por governo e sociedade. Foi preciso reestruturar o Departamento de Zoológico, transformando-o em Departamento de Pesquisa e Conservação da Fauna, criando um ambiente mais bem organizado, com o estabelecimento de duas áreas voltadas à fauna, dotadas de atribuições descritas para dar segurança institucional às ações de proteção. Também foi estabelecida a carreira dos que, por concurso público, passaram a exercer a fiscalização do segmento. A partir disso, passou-se a estabelecer o arcabouço das leis que deixamos aprovadas e outras tantas que foram encaminhadas, como as que tratavam da proteção dos animais de circo, dos maus-tratos e do comércio de animais na cidade. Isso indica que não adianta apenas legislar, é preciso criar as condições para que as leis sejam cumpridas e fiscalizadas pelo poder público.

Tratando dos equídeos, evidenciava-se, à época, um verdadeiro mercado de exploração. Os animais eram submetidos aos maus-tratos e a trabalhos diários intensivos. Casos de crianças conduzindo os veículos de tração e atendimentos aos animais, que muitas vezes tinham de ser sacrificados pela sua má condição de saúde e exaustão, ocorriam com muita frequência. No entanto, o referencial que sempre impediu maiores avanços na definição da proibição do uso da tração animal sempre foi a questão social. Pensando nisso, o plano elaborado prevê, sim, ações voltadas ao problema. O Projeto Equino Metropolitano, por exemplo, consiste no resgate e encaminhamento dos animais para depositários interessados em recebê-los, principalmente estabelecendo uma parceria com os municípios da Região Metropolitana de Curitiba, onde existem chácaras e produção agrícola.

O Projeto Reciclar em duas rodas subentende intervenções em duas etapas: “O primeiro passo pode ser dado através de um estudo sobre a possibilidade de buscar argumentos legais para restringir o tráfego de animais de tração em vias pavimentadas, a exemplo do que já ocorre na cidade de São Paulo. O segundo passo consiste na substituição gradativa da tração animal na cidade, por motos e/ou pequenos triciclos, com rotas estabelecidas por sistemas de rodízio de cores na cidade. É necessária a organização cooperativa dos carroceiros atuais, com possibilidades de propaganda nos veículos por parte de empresas com interesse na responsabilidade social”, segundo o texto extraído do próprio plano.

De lá para cá existem, sim, avanços obtidos pelos curitibanos para a manutenção da qualidade de vida e o respeito aos animais. Contudo, o simples fato de termos um documento que estabelece e traduz o compromisso do poder público para com os animais não resolve o problema. Ainda há um longo percurso a ser percorrido e todos nós esperamos que aquele compromisso assumido não seja deixado de lado, pois há alternativa para a reconversão gradativa das atividades de tração animal na nossa cidade, com benefícios tanto para os animais quanto para os humanos.

Marcos Elias Traad da Silva, zootecnista, foi diretor do Departamento de Pesquisa e Conservação da Fauna de Curitiba (2005-2010). Atualmente é diretor-geral do Detran-PR.
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