No livro A Vida Interior Simplificada e Reconduzida ao seu Fundamento, os franceses François de Sales Pollien e Joseph Tissot criaram um clássico da espiritualidade moderna. O livro apresenta as bases da vida espiritual e explica, passo a passo, como é o desabrochar da vida interior. Segundo os autores, uma das bases para compreensão da vida espiritual é a percepção de que a vida humana consiste em aquisição e desenvolvimento. Eles postulam que mesmo a vida material pode ser interpretada através dessa clave. É como em um ciclo: os recursos adquiridos são desenvolvidos com o tempo, até chegarem a uma fase de estabilização. E, após ela, novos recursos são conquistados para que passem pelo mesmo processo de desenvolvimento e estabilidade.
Sem nunca abandonar o que foi adquirido anteriormente, a vida do homem deve se desenvolver em um acúmulo expansivo de bens — sempre procurando a conquista de bens maiores e mais abrangentes. Diferentemente da vida material, a espiritual é um constante crescer. O mundo material, por ser finito, é incapaz disso. Porém, a lição de aquisição de bens contínuos deve estar também presente em nosso horizonte profissional.
Não corte o galho em que você está sentado. Procure sempre desenvolver novos talentos em paralelo e procure novas praias somente depois de ter construído as pontes.
Certa vez, conheci um monge muito santo que me explicou a diferença entre as mentalidades protestante e católica. Foi quando ele me explicou a “lógica do e” e a “lógica do ou”. Segundo ele, a mentalidade protestante raciocina por exclusivismo: sola scriptura, sola fides etc. É a “lógica do ou”: ou somos salvos pela fé somente, ou mais nada. Ou a verdade da Revelação vem da Bíblia unicamente, ou mais nada. Ou seja: somente um aspecto deve ser levado em consideração, excluindo nuances, ambivalências e dualidades.
Já a mentalidade católica é marcada pelo acúmulo de paralelismos: fé e obras, Escrituras e Tradição etc. No catolicismo, há a hierarquia de bens e não o exclusivismo de bens. O catolicismo opera por acúmulo e expansão de bens espirituais e, por sua vez, culturais e humanos. Os desdobramentos disso são notáveis, especialmente nas representações culturais e artísticas. A Basílica de São Pedro, por exemplo, é uma construção milenar cujo início remonta a uma capela construída em cima do túmulo do apóstolo Pedro. A partir dele, capelas e igrejas maiores foram sendo construídas, uma em cima da outra, até chegar na imensa Basílica que hoje resplandece nos morros de Roma.
Talvez por instinto, houve muitas situações em que pude aplicar essa lógica. Na época em que produzi o filme O Jardim das Aflições, até a data de início da filmagem do documentário eu mantive meu emprego como diretor de arte. Imaginem a situação: na época, o projeto era o crowdfunding mais bem sucedido para um filme no Brasil. Havia uma atenção enorme em cima do nosso trabalho, com muita repercussão na mídia e nas redes sociais. Ainda assim, mantive por quase um ano meu emprego regular com carteira assinada, trabalhando das 8h às 18h todos os dias.
Nesse período, meu trabalho convencional não ficou estagnado. Pelo contrário, obtive muitos avanços dentro daquele emprego. E eu larguei esse emprego somente quando ficou absolutamente claro que poderia me sustentar com meus novos rendimentos. Ou seja: procurei adquirir e desenvolver um novo recurso somente depois de ter estabilizado o estágio anterior. O mesmo se deu na época da fundação da Minha Biblioteca Católica. A empresa começou a ter muito sucesso desde seu primeiro ano. Porém, mantive ativo projetos em paralelo até que a MBC adquirisse a estabilidade necessária para que eu pudesse me dedicar exclusivamente a ela. O mesmo se deu em todos os outros projetos que vieram pela frente.
Muitos me perguntam sobre largar emprego e empreender. Esse não é um caminho para todo mundo, porém, essa reflexão serve como resposta contundente a isso: jamais largue uma oportunidade sem antes ter estabilizado sua situação atual. Isso é extremamente válido mesmo para quem quer empreender dentro de uma empresa como colaborador. Não corte o galho em que você está sentado. Procure sempre desenvolver novos talentos em paralelo e procure novas praias somente depois de ter construído as pontes. Tenha sempre em vista, portanto, a aquisição e o desenvolvimento de bens.
Matheus Bazzo é fundador da Lumine e da Minha Biblioteca Católica.
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