Reforma tributária, aprovada pela Câmara, também recebeu ressalvas do mercado.| Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
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A efervescência em torno da discussão sobre a PEC 45 nos obriga a dizer, em alto e bom som, o que o governo petista certamente não gostaria que fosse alardeado: que certas medidas previstas flertam, sem exagero, com os ditames de uma centralizadora e estéril economia comunista.

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Na prática, se a proposta for aprovada também pelo Senado e sancionada, haverá muita concentração do poder de tributar e isentar – em Brasília, sob o comando de quem o partido governante bem entender. Além disso, quem mais trabalha e gera riqueza no Brasil pode ter que pagar ainda mais impostos, e setores fundamentais para a nossa economia ou que mereceriam ser estimulados – como o agro e a indústria de reciclagem do lixo – deverão ser sobretaxados.

O texto da chamada “Reforma Tributária” votado na Câmara dos Deputados altera totalmente a configuração do Estado brasileiro e de sua arrecadação e gestão financeira.

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Segundo dados do último censo do IBGE de 2022, quase metade do Produto Interno Bruto do país foi gerado por 71 municípios. Dos 5.568 municípios do país, estima-se que apenas 100 possuam receita significativa advinda do recolhimento do atual Imposto Sobre Serviços – ISS. O restante dos municípios sobrevive basicamente da receita advinda do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, e a forma de incidência e arrecadação deste tributo está próximo de sofrer enorme alteração.

O texto da chamada “Reforma Tributária” votado na Câmara dos Deputados altera totalmente a configuração do Estado brasileiro e de sua arrecadação e gestão financeira. Isso é muito mais que uma reforma tributária: é a mais completa alteração da forma atual de arrecadação e gestão de dinheiro público feita desde a fundação da República.

O IPTU passará a ser majorado por decreto municipal, sem participação do legislativo municipal, retirando grande poder de decisão dos vereadores. A arrecadação do IPTU, por sua vez, será gerida por um super Conselho Federativo que é quem terá a real legitimidade ativa da exigência tributária e de toda a administração tributária deste tributo e dos novos tributos a serem implementados. Na prática, deslocou-se a destinação de recursos ao governo federal. Já na saída, haverá desvinculação de 30% das receitas municipais a Brasília.

Preocupante, ademais, é o desavergonhado toma-lá-dá-cá a que os nossos mais cínicos parlamentares estão se submetendo, sem o menor pejo, para votar a favor do governo.

A reforma, que ainda depende de aprovação no Senado Federal, pretende substituir cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS) por três tributos (Contribuição sobre Bens e Serviços — CBS, Imposto sobre Bens e Serviços — IBS e Imposto Seletivo — IS), com a promessa de simplificar e atualizar o caótico sistema tributário brasileiro, mas a expectativa é de que na prática, a já alta carga tributária seja ainda mais majorada.

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Um dos setores mais impactados seria o ambiental, visto que a reciclagem de lixo seria negativamente ampliada, para citar apenas um exemplo. O impacto será tão significativo que especialistas já preveem o desestímulo ao setor. A venda de insumos reciclados passará a ser tributada integralmente pelos novos tributos (IBS e CBS), a uma alíquota que vem sendo estimada (ainda não é oficial) de aproximadamente 25%. Mas, espera aí, o que houve com todo o discurso ambientalista deste governo e da esquerda em geral? Era só mais uma das muitas hipocrisias que a caracterizam?

Outro setor afetado será o agronegócio, apesar da promessa de redução de alíquota do setor. Citamos como exemplo o aumento de carga tributária para o setor de serviços agropecuários: caso o prestador esteja fora do Simples Nacional, pagando atualmente a alíquota máxima de 5% no ISS municipal, com a reforma passará a pagar 50% da alíquota estimada do IBS de 25%, ou seja, 12,5%.

E pensar que havia quem contava, no final das eleições, com a “ferrenha oposição” que um parlamento “majoritariamente conservador” faria às pretensões socialistas do PT...

Um produtor rural com faturamento bruto anual acima de R$ 2 milhões, e que atualmente tem a tributação de ICMS diferida, e não paga o imposto estadual na saída, passará a pagar 50% da alíquota estimada de 25% do IBS, ou seja, 12,5%. Isso, sem falar na ideia de sobretaxar os defensivos agrícolas (pejorativamente alcunhados “agrotóxicos”), o que fatalmente tornará a nossa comida mais cara. O aumento da tributação sobre o setor produtivo do agronegócio trará aumento significativo no valor dos alimentos, mesmo com a prometida redução de alíquota da cesta básica.

O texto também determina a criação de um imposto seletivo federal que incidirá sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, e neste conceito, a produção de proteína animal (carne bovina, por exemplo) será facilmente enquadrada como “prejudicial ao meio ambiente”, aumentando seu valor final. Como se já não fosse o bastante, fala-se, ainda, em “devolução” de impostos com base em critérios de “renda, gênero ou raça”... Mas onde foi parar o princípio constitucional da isonomia, da igualdade de todos os cidadãos perante a lei?

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A regra de transição do sistema atual para o novo modelo levará oito anos. Isso significa que durante todo este tempo o contribuinte terá de manter suas atuais escriturações (federal, estadual e municipal), e mais dois no sistema do IVA dual (um do IBS subnacional e um do CBS federal), bem como uma outra escrituração para o novo imposto seletivo federal. Isso sem contar os casos de empresas que também terão que continuar fazendo a escrituração do Simples Nacional caso nele permaneçam. Tal cenário trará grande insegurança jurídica (mais?) ao setor, além do aumento nos custos nos setores contábeis das empresas.

O Simples Federal, importante conquista do pequeno empresário, não foi previsto, e não se sabe como será regulamentado, lembrando que a maioria das empresas brasileiras está enquadrada nesta forma de tributação. O imposto sobre a herança (ITCMD) também sofrerá grande aumento, através de alíquotas progressivas a incidirem sobre o patrimônio a ser inventariado, quase dobrando a atual alíquota. É isso mesmo: o governo se acha no “direito” de simplesmente abocanhar uma parte do que você labutou e ralou para deixar para os seus filhos!

Em resumo, a União passará a centralizar a administração tributária, criando, fiscalizando e arrecadando tributos, diminuindo a participação de estados e municípios anteriormente prevista na Constituição Federal, ferindo o pacto federativo e tornando as figuras dos prefeitos e governadores como meros coadjuvantes do governo federal.

Não se pode impor uma mudança tão drástica no sistema político e financeiro da nação sem a mínima discussão. A efetiva ampliação da carga tributária trará grande impacto na produção de riquezas do país e poderá gerar grave desemprego e aumento do custo de vida. A tramitação da reforma deve-se dar com ampla discussão e participação da sociedade civil, o que não foi feito na aprovação preliminar do texto na Câmara dos Deputados.

Preocupante, ademais, é o desavergonhado toma-lá-dá-cá a que os nossos mais cínicos parlamentares estão se submetendo, sem o menor pejo, para votar a favor do governo, aproveitando-se da longa tradição “mensaleira” do partido na situação. E pensar que havia quem contava, no final das eleições, com a “ferrenha oposição” que um parlamento “majoritariamente conservador” faria às pretensões socialistas do PT... Pobre gente ingênua...

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Sarah Zapelini Martins é advogada tributarista e pós-graduada em Direito Tributário.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]