Um leito hospitalar de alta complexidade custa para ser implantado mais ou menos R$ 400 mil. O que permite imaginar que 6 mil leitos poderiam ser construídos e equipados com o mesmo dinheiro que gastaremos na Copa
Essa história toda da Copa não para de piorar. O Brasil gastará R$ 24 bilhões de dinheiro público (o meu, o seu, o nosso) para sediar a Copa e está sendo pressionado para mudar leis e permitir que torcedores consumam bebidas alcóolicas dentro dos estádios, uma medida absolutamente indesculpável depois das frequentes brigas entre torcidas organizadas que resultam até em mortes, e dos acidentes envolvendo motoristas alcoolizados. A Fifa quer ainda que se proíbam os pipoqueiros e ambulantes de vender suas pipocas e seus churrasquinhos nas proximidades dos estádios (ou seja, na via pública de cidades brasileiras, supostamente governadas de acordo com leis próprias). A entidade está sendo isentada de qualquer imposto para que nos conceda a honra de patrocinar a competição. E quem é a Fifa? Uma organização privada, um negócio que pertence a seus donos, que quer lucrar com tudo o que faz (o que é razoável), no que é ajudada por uma legião de políticos e empresários simpáticos a ela, doidos para ajudá-la a lucrar (o que seria razoável se eles estivessem gastando seu próprio dinheiro, não o da pobre Viúva).
Com a distribuição dos jogos, acabou a ilusão de muita gente e, na prática, a cidade de Curitiba gastará R$ 800 milhões para ter a honraria de assistir a quatro partidas. É meio caro pagar R$ 200 milhões para assistir a cada partida da etapa eliminatória, mas é claro que os defensores da esbórnia logo argumentarão com o fato de que os investimentos feitos continuarão existindo depois do torneio. A questão não é essa, é outra: não havia nada mais prioritário a fazer com os R$ 24 bilhões?
Para tentar ajudar a responder, desenvolvi alguns exercícios da que poderia ser chamada de Aritmética da Ingenuidade, aquele tipo de conta que só os idiotas da objetividade como não consigo deixar de ser, as Polyanas e os crédulos incorrigíveis acreditam que deveriam guiar as decisões com dinheiro público. Para os detalhistas que quiserem conferir as contas, posso fornecer as fontes a pedido.
Um leito hospitalar de alta complexidade custa para ser implantado mais ou menos R$ 400 mil. O que permite imaginar que 6 mil leitos poderiam ser construídos e equipados com o mesmo dinheiro que gastaremos na Copa. Nada mal em um país em que doentes deitados no chão, acidentados sendo rejeitados nos hospitais por falta de vagas e doentes graves esperando horas e dias para ser atendidos em uma emergência passaram a ser um fato corriqueiro.
Com 55 mil dólares, R$ 100 mil reais por ano, você forma um PhD em medicina ou em engenharia em Harvard ou no MIT, duas das mais renomadas e mais caras escolas do mundo. O dinheiro da Copa poderia pagar pela formação completa de 6 mil profissionais de nível superlativo em termos de excelência acadêmica, o que certamente não faria mal em um país cuja melhor universidade mal consegue se classificar entre as 200 melhores do mundo apesar de estar localizada na oitava economia do planeta e a infraestrutura pública estar em frangalhos.
Baixando a bola (sem trocadilho) para campos mais modestos: estudos do MEC indicam um custo médio de mais ou menos R$ 3.500 por aluno-ano para uma escola fundamental de boa qualidade. Sejamos ambiciosos e dobremos esse valor para que as escolas possam pagar melhor seus professores, investir mais em bibliotecas, brinquedotecas, tecnologia de educação etc. Os R$ 24 bilhões das Copa permitiriam fazer isso para quase 7 milhões de crianças e adolescentes.
Um último exemplo, este em nosso quintal: o Centro de Educação João Paulo II, nossa querida escola construída e mantida por doações privadas para oferecer ensino de alta qualidade gratuitamente a crianças de baixa renda em Piraquara custou, para ser construída e equipada, menos de R$ 2 milhões. Com uma arquitetura de primeiro mundo (by Manoel Coelho, um craque completo) e uma tecnologia de ensino altamente atualizada. O dinheiro da Copa permitiria construir 12 mil João Paulos, atendendo 1,8 milhão de crianças com ensino integral ou extensão da jornada escolar para oito horas diárias.
Enfim, são contas ingênuas. Contas espertas são outras. E, afinal, não nos gabamos de nossa proverbial esperteza?
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administraçãso da PUCPR
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