O Brasil é um dos maiores prejudicados com a guerra cambial, já que hoje possui um dos câmbios mais valorizados do mundo
O problema da desvalorização cambial tem origem internacional. Está ligada ao estabelecimento do padrão-ouro de David Hume e ao Acordo de Bretton Woods que estabeleceu o dólar como moeda de referência global. Em 1971, quando Richard Nixon suspendeu unilateralmente a conversibilidade direta do dólar em ouro, o secretário dos Estados Unidos John Connally no que poderia ser considerado um prenúncio de problemas cambiais futuros afirmou à comunidade internacional: "O dólar é a nossa moeda, mas o problema é de vocês."
O "nosso" problema aumenta a cada dia pela valorização do Real com a consequente prejuízo as exportações brasileiras. Está deflagrada a "guerra cambial". Os especialistas afirmam que existe um vácuo regulatório no cerne do problema. O câmbio é regulado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) que não tem interesse em impor sanções aos países que desvalorizam seu câmbio prejudicando outras nações. Isso afeta o comércio internacional, que é objeto de regulação da Organização Mundial do Comércio (OMC), que, por sua vez, não pode regulamentar o câmbio.
Essa afirmação tem uma premissa obsoleta e parece estar levando a uma conclusão errada. A premissa é que a clara linha divisória entre a regulação internacional financeira e comercial estabelecida no passado, quando da vigência do padrão-ouro, persiste inalterada até hoje. A origem do problema é financeira, mas as suas consequências atingem diretamente o comércio internacional.
A conclusão errônea é de que como a regulação da origem do problema é separada da regulação das suas consequências, o dilema parece ser insolúvel. Não é. Ainda que não haja um único organismo internacional para regulamentar as finanças e o comércio internacional, o FMI e a OMC têm uma relação dinâmica através do desenvolvimento de programas em comum. Ademais, a regulamentação da OMC faz referências ao FMI em uma espécie de "regulamentação-cruzada".
Nesse contexto, as medidas de defesa comercial, se utilizadas, fornecem um arsenal contra as importações artificialmente baratas em virtude da manipulação cambial. Algumas das possibilidades que poderiam ter um resultado célere são um pedido administrativo de revaloração aduaneira, ou de verificação de preço da importação, que podem levar a uma parametrização dos contêineres importados do país investigado no canal vermelho, até que o procedimento investigatório se encerre. Tais medidas são aplicadas diretamente pelo país importador, evitando, assim, as dificuldades do sistema de solução de controvérsias da OMC.
O Brasil é um dos maiores prejudicados com a guerra cambial já que hoje possui um dos câmbios mais valorizados do mundo, com impacto negativo direto na indústria nacional. Essas armas precisam ser utilizadas para que os problemas do dólar americano não continuem sendo "de todos nós".
Fábio Carneiro Cunha é advogado, doutorando da Universidade de Otawa em Direito Internacional e presidente do Núcleo de Relações Internacionais do Sul.