Responda com sinceridade, leitor: se você pudesse comercializar energia no Brasil ou em algum outro lugar no mundo, que país escolheria?
É fato que a adição de energia no sistema elétrico está cada vez mais comoditizada. Inicialmente, de forma predominante, a adição energética dependia da exploração de recursos naturais, vinculada ao potencial energético de uma região específica. Posteriormente, as novas adições ao sistema dependem muito mais da atratividade do empreendimento. Questões relacionadas a estabilidade monetária, ambiente regulatório, facilidade em fazer negócios e segurança jurídica atualmente são mais imperiosas que o próprio local ou região de geração ou comercialização em si.
Comecemos pela estabilidade monetária. Nos últimos cinco anos, a moeda brasileira desvalorizou mais de 40% em relação ao dólar, principal referência monetária internacional. Quem já está comercializando no mercado se questiona se o valor de comercialização da energia conseguirá acompanhar tamanha desvalorização da moeda. Para os novos entrantes, que contribuiriam para adição energética, este é um forte indicador de aversão ao risco e de incerteza, o que leva a colocar um pé no freio para novos empreendimentos ou mesmo migração de novos investimentos para países com moedas menos piores que a nossa.
Com um forte desestímulo para uma novas adições energéticas, toda a cadeia de suprimento do sistema elétrico se torna cada vez menos resiliente e cada vez mais instável, com a possibilidade de racionamento, risco de apagão e forte dependência do sistema elétrico em relação às chuvas.
Os prováveis choques de oferta refletem em um inevitável aumento de preços, que é uma variável controlada, altamente dependente do ambiente regulatório. Neste cenário, o aumento da conta de luz vem por todos os lados, seja na implementação das mais diversas bandeiras tarifárias, seja no aumento da carga tributária na conta de energia – em alguns estados que não fizeram o dever de casa e estão em regime de recuperação fiscal (RRF), a tributação pode chegar a mais de 50% do valor da energia para algumas faixas e classes de consumo. Como a tributação na conta de energia se dá na forma de alíquotas (no estado do Rio de Janeiro, por exemplo, que está no RRF, ela pode ser de 32% apenas para o ICMS), toda vez que a energia aumenta em termos absolutos, a tributação a acompanha. O aumento absoluto da tributação, infelizmente, nem sempre se reflete em melhora do cenário fiscal, seja nos estados e municípios, seja na União. Sem a melhora do cenário fiscal, o risco de nova desvalorização monetária se torna iminente.
Este é um ciclo vicioso que pode se tornar pior. Em vez de serem atacadas as causas, políticas populistas podem trazer mais um grau de desespero à equação, como foi o caso da MP 579/2012, quando, numa canetada, Dilma Rousseff interveio nos preços da energia elétrica, trazendo efeitos de segunda ordem, isto é, secando no curto prazo novos investimentos no setor e minimizando novas adições de energia elétrica. Os efeitos da intervenção e instabilidade regulatória, bem como do controle de preços, são óbvios e culminam em escassez. Especialistas afirmam que a estagnação econômica nos anos seguintes foi elemento crucial que evitou o racionamento de energia elétrica no país.
Contribuintes que já arcam com os custos da tarifa social de energia elétrica não podem de modo algum subsidiar o furto e a desonestidade de alguns participantes, cujo número tende a aumentar se a prática não for coibida.
Neste ponto é importante ressaltar que a recessão e a estagnação econômica geram efeitos colaterais e adversos. Desemprego, falta de criação de novos postos de trabalho, estagnação ou redução da renda. Tudo isso rema contrariamente à estabilização ou a aumento da oferta com novas adições de empreendimentos de energia elétrica ao setor. O resultado é que nosso país somente está atrás de cinco países no ranking da energia mais cara do mundo, de acordo com levantamento da Firjan realizado em 2020.
E os efeitos adversos de segunda ordem não param por aí. Segundo relatório de perdas de energia da Aneel – 01/2020, 45,5% da energia em baixa tensão no estado do Rio de Janeiro foi perdida, um índice altíssimo. O alto preço da energia elétrica, se não é acompanhado do bom ambiente regulatório e da segurança jurídica, pode desestimular ainda mais a adição energética, retroalimentando um ciclo vicioso de furtos e desvios de energia elétrica, uma vez que quanto maior o índice de perdas comerciais, maior tende a ser o repasse para os participantes honestos. Os contribuintes que já arcam com os custos da tarifa social de energia elétrica não podem de modo algum subsidiar o furto e a desonestidade de alguns participantes, cujo número tende a aumentar se a prática não for coibida.
A conclusão? Como a energia elétrica faz parte do setor primário, existe um preocupante movimento descivilizatório em curso em nosso país. As sociedades de mercado necessitam de um princípio muito forte da cooperação dos agentes econômicos. Se não existir confiança na unidade monetária, no cenário fiscal, no ambiente regulatório e na segurança jurídica, poderemos ver um ciclo retroalimentado de aversão ao risco cuja consequência principal será o aumento da escassez e empobrecimento da nossa sociedade como um todo, já que geram consequências de segunda e de terceira ordem. E, neste cenário, como resposta à pergunta inicial, o Brasil poderá ser destino cada vez menos atrativo para novos empreendimentos que contribuiriam para expansão da oferta, resiliência de nossa matriz energética e menor impacto de preços ao consumidor dada a conjuntura atual.
Wendel da Rocha, formado em Engenharia Elétrica com pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho, é consultor na área de energia elétrica.
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