Win-win situation à brasileira
O princípio norte americano do win-win situation, que traduz a noção de gerar uma situação em que todos são beneficiados, ou de ganhar para todos, recebe todos os dias, no Brasil, interpretações tentando justificar situações que, a despeito de gerar benefícios reais para todos, são apenas expressões do jeitinho brasileiro de resolver problemas. O projeto de lei da "Vizinhança Participativa", muito embora tenha em sua concepção uma ideia salutar, de permitir que todos os cidadãos tenham acesso aos investimentos públicos necessários à sua vida digna (pavimentação, saneamento, dentre outros), em realidade nada mais faz do que instituir uma nova e ilegal forma de cobrança de tributo.
Leia a opinião completa de Rodrigo Pironti, advogado especializado em Direito Administrativo e de Infraestrutura, é professor da Universidade Positivo.
A Câmara Municipal de Curitiba aprovou o projeto de lei ordinária denominado "Vizinhança Participativa". O instrumento jurídico pretende viabilizar a execução de obras públicas solicitadas pela comunidade ou pela municipalidade, com os custos compartilhados entre os proprietários de imóveis beneficiados e a administração da capital. A par de outras abordagens, merece atenção a análise dos sentidos de participação contidos no título do projeto, que são transversais à proposta.
O primeiro sentido está relacionado com a ideia de participação política dos cidadãos da pólis, que podem propor segundo projeto de lei municipal obras públicas comunitárias. Neste campo, um dos elementos centrais do Estado democrático está na permanente necessidade do governo de atender às preferências dos cidadãos definidos constitucionalmente como iguais. A isonomia tem uma posição singular na política e deve ser compreendida como um princípio do Estado democrático e constitucional que exige um tratamento desigual para os que são desiguais, na medida das suas desigualdades, a fim de se garantir uma posterior igualdade.
Esse entendimento solidifica uma leitura liberal da igualdade, nas suas dimensões formal e material, e dá concretude para um ideal de cidadania democrática. Robert Dahl acrescenta na análise que estes "cidadãos plenos" necessitam "oportunidades plenas" de: formular suas preferências; expor suas preferências a seus concidadãos e ao governo; ter suas preferências igualmente consideradas na ação do governo. Tais oportunidades plenas entendidas como o que eu posso fazer plenamente dão um sentido claro às diversas formas de participação social na condução dos processos decisórios sobre políticas públicas, que, no caso municipal, está relacionada com as proposições comunitárias de obras públicas como calçamento, asfaltamento e áreas verdes.
O segundo sentido da "vizinhança participativa" guarda relação direta com o elemento econômico. O projeto possibilita que aqueles que detêm capital possam contribuir com as obras públicas de seu interesse numa determinada localidade específica da cidade. Considerando que as demandas sociais são infinitas e os recursos públicos são escassos, a participação econômica prevista no projeto possibilita que as obras de revitalização da Praça da Espanha ou os calçamentos de granito assentados em ruas do Batel sejam custeados pelos proprietários daquele local, que tiveram um ganho econômico com a valorização dos seus imóveis. O projeto permite o aporte privado de recursos para atender aos desejos particulares de determinados grupos que podem e querem aportar recursos financeiros. Expressões similares são vistas com o mecanismo da Contribuição de Melhoria, que já está regulamentado desde a década de 1960; os Planos Comunitários de Pavimentação, utilizados em diferentes municípios do Brasil; ou o "Plano 1000", que previa a pavimentação de ruas de Curitiba.
A "Vizinhança Participativa" apresenta uma concepção de participação na e para a cidade importante. No entanto, as boas intenções são insuficientes para o campo do Direito. O projeto apresenta inúmeras fragilidades jurídicas no tocante ao que se compreende como obra pública, o fato gerador do tributo, o momento da cobrança dos valores, a competência municipal para criar a nova figura jurídica. A adequação das fragilidades é que permitirá a construção de mais um mecanismo de participação social para a cidade.
Eduardo Faria Silva, doutor em Direito pela UFPR, é professor da Universidade Positivo e assessor jurídico do Senge-PR.
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