Quando perdi meu marido, em 2008, descobri que a causa de sua morte, apesar de chocante, não era tão rara quanto eu imaginava: mais de 45 mil norte-americanos morreram no ano passado por suicídio, no que tudo indica ser uma epidemia vertiginosa, ainda que silenciosa. Pois na semana passada profissionais da saúde mental denunciaram a crise, chamando a atenção para os sinais de alerta que alguém que amamos pode estar emitindo.
Só os percebi quando já era tarde demais. Depois que ele se foi, minha vida mudou como eu jamais sonhara, tanto por causa de sua decisão como por conta do estigma que ela deixou.
Pouco depois de enviuvar, eu me vi em um jantar elegante, à luz de velas, no litoral da Flórida. A maior parte das pessoas à minha volta, à mesa bem-posta, era de estranhos; as portas, escancaradas, davam para o mar à nossa frente. Ocasiões como essa me davam a oportunidade de fugir da dor em que tinha mergulhado desde a morte do meu marido. A brisa carregada de maresia e o tecido fino da toalha contra meu joelho me lembravam de que, embora tivesse perdido o companheiro que escolhera, eu ainda respirava e precisava reaprender a aceitar a dádiva da vida – mas essa frágil esperança se desvaneceu assim que a conversa começou.
A mulher sentada ao meu lado me estudou por um momento e perguntou se eu já fora casada. A resposta foi um "sim" simples. Dali, porém, a conversa prosseguiu como se fosse um roteiro. "Ah, é divorciada?" "Não, viúva." Sempre achei que o divórcio era um sinal de fracasso no maior compromisso da vida da pessoa, mas, nos meses e anos que se seguiram à morte do meu marido, descobri que há algo pior que um casamento que acaba em separação: o que termina como o meu.
A depressão e a vergonha que tiram a vida de um ente querido não são enterradas com ele
Minha vizinha de mesa resolveu avançar, entrando em território delicado e proibido. "Foi câncer?", perguntou, as sobrancelhas erguidas. "Foi, sim", respondi, solene. Pronto, agora sentia vergonha não só da morte do Mark, mas também da minha mentira. A curiosidade parece tomar conta das esposas em geral quando conhecem alguém que era casada e hoje se vê solteira. É meio como esticar o pescoço para ver a cena de um acidente horrível. "Meu Deus do céu! Será que pode acontecer comigo?", questionam-se.
A mulher insistiu. "Que tipo de câncer foi o dele?" Descansei o garfo e abri a porta imaginária de um armário cheio de disfarces de que agora era dona. Hoje, usaria a fantasia da mulher no controle de sua vida, aquela que conseguiu lidar com o luto pela morte do marido e estava feliz por poder sair para se divertir. "Do pâncreas", informei, sem nem piscar, com a certeza de que a resposta satisfaria minha recém-conhecida enxerida. Eu conhecia uma mulher cujo marido morrera de câncer pancreático e sabia que a doença geralmente evolui rápido.
Em vez disso, ela se voltou para mim com uma expressão que passei a conhecer muito bem: um misto de medo e piedade, o pior tipo de simpatia. Ofegante, persistiu: "Quanto tempo levou do diagnóstico até a morte?" Era tarde demais para voltar atrás. Dizer a verdade a uma estranha – que meu querido companheiro de 25 anos se matara na casa de campo da nossa família – seria assumir o protagonismo de um filme de terror horrível demais para assistir. Eu não teria condições.
Pedi licença e saí andando, ligeira, rumo à porta aberta para o mar. Se pelo menos eu pudesse mergulhar de cabeça ali e prender a respiração em um lugar seguro e silencioso onde pudesse lidar com a questão que não me abandona nem por um minuto: "Por que ele fez aquilo?"
Sobreviver ao suicídio do cônjuge é assim. A depressão e a vergonha que tiram a vida de um ente querido não são enterradas com ele, como o câncer pancreático ou um tumor cerebral; elas se aderem aos sobreviventes como se fossem um filme plástico.
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É por isso que, quando chega a notícia do suicídio de uma celebridade, como Kate Spade, Anthony Bourdain ou a namorada de Mick Jagger, L'Wren Scott, e a maioria especula as razões que os fizeram tirar a própria vida, eu procuro saber como os familiares e amigos estão lidando com a angústia e a vergonha. O pai de Kate Spade, desolado, morreu duas semanas após a morte da filha, mas me identifico com o marido dela, Andy, que teve de se defender publicamente contra a especulação de que o casamento turbulento deles contribuiu para o suicídio da mulher. "Éramos superbons amigos tentando superar os problemas à nossa maneira. Nós nos amávamos muito", afirmou ele.
Eu poderia dizer o mesmo porque, por mais que você ame alguém, não é fácil segurar um casamento feliz quando um dos dois enfrenta uma depressão debilitante ou mudanças drásticas de humor. Spade revelou que a mulher, tão talentosa, lutava com demônios pessoais. Eu os conheço muito bem. Rezei e lutei contra eles durante mais de 25 anos, mas, na noite em que convenceram Mark de que ele estaria melhor morto, sucumbi à derrota.
Nos meses e anos que se seguiram à morte do meu marido, muitas vezes mergulhei em uma depressão profunda, estimulada pela minha perda e a sensação de fracasso. Por que consegui convencer o homem que amava a usar protetor solar, fazer exames de saúde regulares e usar capacete para andar de bicicleta, tudo para prolongar nossa vida juntos, mas não consegui impedir que ele se matasse? Não era minha tarefa de esposa ajudá-lo a viver protegido e feliz, fortemente ligado à vida?
Uma das consequências do suicídio é a vergonha irracional que toma conta dos que ficaram. Na noite em que Mark tirou a própria vida, ele tinha jantado com nossa caçula, Hannah, que estava de férias da faculdade e ficou em casa. Ela passou vários dias chorando e perguntando: "Por que passar um tempo comigo não foi suficiente para impedir que o papai se matasse?" Seus amigos mais próximos se culparam por não irem atrás quando ele não retornou suas ligações. Sua mãe, que acabou de completar 93 anos, ainda questiona se uma criação diferente poderia tê-lo impedido de se matar.
As perguntas e comentários de amigos e estranhos nos meses e anos após a morte de Mark só pioraram a coisa. No enterro de um velho amigo, uma conhecida sentada ao meu lado pôs a mão no meu joelho e sussurrou: "Vivo me perguntando se você já descobriu por que ele fez aquilo". Em outra reunião, eu estava em um grupo de pessoas, batendo papo, falando sobre coisas leves, quando uma jovem se voltou para mim na maior calma, como se fosse me perguntar se lavo minhas roupas com água quente ou fria: "Peggy, você não percebeu nenhum sinal do que estava por vir?"
Durante meses, as perguntas, que eu sentia como flechas flamejantes, pipocaram – no mercado, nas filas do aeroporto, no banheiro dos restaurantes. Passei a evitar gente que não conhecia bem. Quando as questões indesejadas me pegavam de surpresa, minhas respostas eram sempre pouco elaboradas, praticamente sem explicar nada. "Não, também fiquei chocada", "Não sei bem por que ele fez o que fez", ou "Não, não percebi nada". Porém, já no carro, eu dava vazão à frustração, falando alto o que gostaria de ter dito. "Sim, claro que percebi que havia alguma coisa errada. Tinha um monte de laços de forca pendurados pela casa, eu é que não dei bola!", gritava, batendo o punho contra o painel.
O fato é que ninguém percebeu nada. Meu marido era espirituoso e sociável, pai e marido amoroso. Seu bom humor o transformava na alma de qualquer festa. A luta que travava contra a depressão o levou a ajudar um sem-fim de pessoas a procurar a assistência de que necessitavam para superá-la. Entretanto, como muitos homens bem-sucedidos, Mark era bom em esconder os sentimentos e seguir adiante, apesar dos ataques de desespero. Seu erro foi não pedir ajuda quando mais precisava.
Com o tempo, descobri uma forma de me proteger quando as pessoas querem saber como e de que meu marido morreu: faço uma pausa para deixar a pergunta em suspenso em um silêncio incômodo e depois digo gentil, mas firmemente: "Não me sinto à vontade para falar sobre isso com você, sabe?"
Uma das consequências do suicídio é a vergonha irracional que toma conta dos que ficaram
A coisa mais bonita que já me disseram também foi a que mais doeu. Em uma reunião improvisada com os amigos de faculdade de Mark em Chicago, um dos caras com quem ele dividira o apartamento, e que eu não via há anos, me puxou de lado discretamente, pôs a mão no meu ombro e disse: "Tem uma coisa que nunca contei para ninguém, mas que talvez lhe sirva de consolo". E descreveu as várias vezes em que voltava para casa depois da aula para encontrar Mark, capitão do time de hóquei no gelo, chorando em uma melancolia inexplicável, desejando estar morto.
A história acabou comigo, mas passei a recorrer a ela quando começava a pensar no nosso casamento, procurando provas de onde tinha falhado como esposa. Eu preferia ignorar as histórias de seu humor sombrio na adolescência, histórico de um transtorno anterior a mim; eu acreditava que o amor superaria tudo, que eu conseguiria trazê-lo para a luz. O que só fui compreender totalmente depois de sua morte foi que eu tinha tanto poder de acabar com a doença mental do meu marido como o de encontrar a cura para o câncer pancreático.
Muitas viúvas me disseram que levaram de seis a sete anos para se recuperar da morte do companheiro; eu diria que, em caso de suicídio, é um pouco mais. Ao contrário da morte por câncer, que tem uma causa e uma vítima claramente definidas, o suicídio dá a sensação de ser criminoso; o ato é geralmente resultado de uma confluência de causas e circunstâncias, raramente compreendida na íntegra por profissionais de saúde mental.
Durante uma semana que eleva a prevenção do suicídio a uma causa nacional, é bom também levar em consideração as vítimas invisíveis, ou seja, os vivos que vivem com uma ferida aberta. Depois de mais de dez anos, as perguntas doídas e a autocondenação já quase desapareceram. O luto agora me vem em ondas gerenciáveis, em ocasiões como o casamento das filhas, o nascimento dos netos e outras realizações que nossa família sempre sonhou compartilhar com ele.
Nas raras ocasiões em que, deitada na cama, fico pensando por que Mark fez o que fez, penso no grande consolo do tesouro paradoxal que ele deixou. Na última carta endereçada a mim, deixada no balcão da cozinha, suas últimas palavras foram: "Eu te amo, Peggy, com todo o meu coração partido".
Peggy Wehmeyer já foi correspondente do World News Tonight, da emissora ABC; hoje é articulista e mora no Texas.
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