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| Robson Vilalba/Thapcom
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A ideia que hoje temos de Constituição surgiu há pouco mais de 200 anos. Até então, a humanidade viveu, bem ou mal, na ausência dela. O Estado com regras constitucionais é algo de novo em nossa vida, portanto. Mas o que isso significa? Como o nome já diz, as Constituições dão existência, constituem determinado Estado: aquele que é criado pelo Direito e a ele se submete integralmente. Como são normas tão especiais, somente deveriam tratar de assuntos indispensáveis: estrutura e competências de seus órgãos supremos, lado a lado com os direitos fundamentais de seus habitantes. Por isso, também, a decisão política de gerar o Estado se submete a rito legislativo diferenciado, exercitado por Assembleia Constituinte eleita democraticamente.

Em vista dessa característica fundadora, quando as Constituições nasceram – nos Estados Unidos da América, em 1787, e na França, em 1791 –, tinham a pretensão da eternidade. Afinal, criavam Estados que não surgiam para acabar no dia seguinte. As Constituições ocupar-se-iam apenas do fundamental, em alguns poucos artigos. A lógica era a de que haveria o constituinte originário e, depois dele, a vida seguiria com preocupações menores, infraconstitucionais. Não é devido a um acaso, portanto, que as demais leis são chamadas de “ordinárias” (banais, que se repetem continuamente). Esse era o futuro constitucional cogitado nos séculos 18 e 19.

Todavia, a promessa não se cumpriu. Exceção feita à norte-americana, não se tem notícia de outra Constituição que tenha persistido. A francesa, por exemplo, durou pouco, eis que sucedida pela de 1793. No constitucionalismo brasileiro, a história é rica em demonstrar a precariedade do eterno: a Carta Imperial de 1824 foi suspensa pela revolução de 1889 e revogada pela Constituição de 1891 – que, ao seu tempo, foi suspensa pela Revolução de 1930. Daí sobrevieram a Constituição de 1934; a Carta de 1937; a Constituição de 1946, posta em xeque pelo Ato Institucional de 1964; a Constituição de 1967; a Emenda Constitucional 1/1969 (que revogou toda a anterior) e, finalmente, a Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988.

O transcurso do tempo correspondeu ao aumento das preocupações constituintes

Muita coisa mudou desde então, eis que o transcurso do tempo correspondeu ao aumento das preocupações constituintes. Existe uma proporção entre a narrativa das necessidades humanas e aquela dos assuntos constitucionais. Os séculos 18 e 19 eram bem mais simples do que o 20 e o 21, convenhamos. Um só tema, o mais importante de todos, demonstra a tese: no alvorecer das Constituições, os direitos humanos eram aqueles típicos do Estado liberal, a inibir a ação dos poderes públicos. A Carta Imperial de 1824 trazia dispositivos sobre “as garantias dos direitos civis e políticos” só no último artigo, o 179, com seus 35 incisos. Isso ao contrário da atual, que desde o preâmbulo trata de direitos fundamentais, intensificando-os logo no artigo 5.º e seus 78 incisos (além dos quatro parágrafos, com norma de acolhimento a tratados e convenções internacionais). Pensemos também nos direitos sociais, nos do trabalhador, nos econômicos, nos ambientais – todos a constituir a razão de existir do nosso Estado de Direito. Peculiaridade que cresceu e se multiplicou em todos os temas constitucionais. Em euforia devido ao fim do regime autoritário civil-militar, o constituinte brasileiro foi bastante criativo ao expandir o conteúdo e o alcance da norma constitucional. A Lei Fundamental foi assumida como compositora de destinos, tambor de todos os ritmos.

Constatação que talvez explique o tamanho – e, por que não, a beleza – da nossa Constituição: são 250 artigos, acrescidos de 114 no assim dito Ato das Disposições Transitórias (isso sem falar nas subdivisões de cada um dos artigos, em incisos, alíneas e parágrafos). Muitas matérias, a maioria dos quais sem nada a ver com o núcleo duro da ideia originária. Tantos artigos a demandar as correspondentes leis ordinárias, em movimentos nem sempre precisos. A Constituição brasileira é essa, a revelar nossas complexidades, nosso multiculturalismo dinâmico e a necessidade de sermos inventivos para que ela permaneça contínua. Este é o nosso retrato e precisamos aprender a gostar dele.

Opinião da Gazeta: Uma nova Constituição? (editorial de 23 de setembro de 2018)

Leia também: O legado fundamental da Constituição de 1988 (artigo de Durval Amaral, publicado em 3 de outubro de 2018)

Como não poderia deixar de ser, alguns desses dispositivos não resistiram ao teste do tempo. Criada para persistir, a Constituição brasileira foi objeto de 99 emendas, além das seis emendas da revisão de 1994. A tais modificações formais no texto da Lei Fundamental, some-se as mutações materiais em sua interpretação. Esta centena de modificações causa revolta em alguns – e, igualmente, má compreensão de sua razão de ser. Mas isso é belo também. Bem vistas as coisas, talvez seja justamente essa legitimação dinâmica que a mantenha viva.

Afinal de contas, não estamos no século 18, em que o tempo demorava a transcorrer e por isso tudo parecia eternamente igual. Hoje, a Constituição tem movimentos precisos e não pode ser vista como algo estático, que torne as gerações futuras reféns das escolhas dos constituintes originários. Ela não é imune ao tempo, mas dele adquire conhecimento. A Lei Fundamental precisa dispor de capacidade de aprendizagem com os fatos da vida, a fim de se adaptar às exigências do presente e se manter viva no futuro. Existe um processo constituinte em curso perene, a rejuvenescer a Constituição.

Por isso a Constituição hoje em vigor não é aquela de 1988, mas a Constituição do Brasil atual, que tenta entender os nossos desafios e está disposta a ser aplicada com máxima intensidade nos temas mais sensíveis da vida cotidiana. Existe outro nível de vínculo, a reunir a Constituição e o futuro que não para de chegar. Para se manter jovem, felizmente a Constituição precisa envelhecer mais ainda.

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