Recente matéria divulgada pela Agência Pública, uma organização criada com foco no jornalismo investigativo, apavorou a população paranaense e brasileira. A reportagem informa que um coquetel que mistura diferentes agrotóxicos foi encontrado na água de 1 em cada 4 cidades do Brasil entre 2014 e 2017. Dentre os pesticidas encontrados na água, 16 são classificados pela Anvisa como extremamente ou altamente tóxicos e 11 estão associados ao desenvolvimento de doenças crônicas como câncer, malformação fetal, disfunções hormonais e reprodutivas. Entre os locais com contaminação múltipla estão as capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus, Curitiba, Porto Alegre, Campo Grande, Cuiabá, Florianópolis e Palmas. Os dados são do Ministério da Saúde e foram obtidos e tratados em investigação conjunta da Repórter Brasil, Agência Pública e a organização suíça Public Eye.
Tais informações fazem parte do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), que reúne os resultados de testes feitos pelas empresas de abastecimento. Segundo a reportagem, os números revelam que a contaminação da água está aumentando a passos largos e constantes. Em 2014, 75% dos testes detectaram agrotóxicos, já em 2015 o índice subiu para 84%. Em 2016, chegou em 88%, saltando para 92% em 2017.
Do outro lado, a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) emitiu nota em que garante a qualidade da água que distribui à população, afirmando que segue rigorosamente a legislação brasileira que determina os parâmetros da potabilidade da água para abastecimento público. Informa ainda que não foi detectada presença de agrotóxicos em nenhuma análise realizada pela empresa acima do Valor Máximo Permitido (VMP) pela Portaria de Consolidação 5, anexo XX, do Ministério da Saúde, conforme histórico disponibilizado a este Ministério.
Pensar para fora significa investir em ações efetivas e eficazes que tenham relação direta com a qualidade de nossos rios e matas.
A Companhia de Saneamento do Paraná também refuta as matérias veiculadas na mídia, argumentando que utilizaram dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua) de forma incompleta. Isso porque no momento de registrar os resultados de suas análises não há no cadastro do Sisagua a opção de informar a não detecção do princípio ativo do composto e o Sistema de Informação aceita apenas o registro como “no limite” em vez de “ausente”. Assim sendo, segundo a Sanepar fica registrada a presença de agrotóxico na água, mesmo que não tenha sido detectada, distorcendo a informação.
Por fim, a Sanepar relata que quatro laboratórios da companhia realizam semestralmente análises de agrotóxicos de todas as localidades atendidas pela empresa, conforme determina a legislação do Ministério da Saúde. Nessas análises são investigados 27 tipos de agrotóxicos e, em todos os testes, os resultados ficam abaixo dos limites permitidos. Ou seja, não foi detectada a presença de agrotóxicos na água distribuída para a população.
Leia também: Planejar para sanear (editorial de 6 de abril de 2019)
Leia também: A derrota do saneamento (editorial de 14 de julho de 2014)
Lendo as duas versões percebemos que o foco da discussão se centra nos efeitos produzidos por uma produção agrícola que abusa constantemente do uso de defensivos agrícolas, prejudicando sobremaneira a saúde pública e a qualidade do solo. Essa questão é tão pacífica que no Paraná, o governo do estado lançou há dois anos o programa Prosolo, em uma tentativa de reeducar os produtores rurais nas mais corretas técnicas de uso e manejo do solo e orientação no uso de pesticidas e afins. Num momento inédito o programa discute também a qualidade da água e a necessidade de garantia de sua quantidade através da infiltração no solo, convidando a empresa de saneamento do Paraná para participar do Conselho do Programa.
Isso só reforça que já passou da hora das empresas de saneamento no Brasil pensarem além da garantia de qualidade do seu produto tratado. Elas devem se preocupar e investir em ações que assegurem a qualidade e quantidade da água bruta. Esse “olhar para fora” de seus muros aponta para a imediata necessidade de se implementar recursos que sirvam como um investimento concreto em incentivos à melhoria da qualidade das propriedades no entorno de seus mananciais de captação de água. Parcerias com entidades representativas dos agricultores, com as secretarias de Agricultura, já deixaram de ser uma possibilidade para se tornarem uma obrigação para qualquer projeto hídrico ambiental que pretenda ser eficaz.
As empresas de saneamento precisam aportar recursos em projetos inteligentes que incentivem práticas sustentáveis de uso e preservação dos solos e água, e realizar investimentos diretos em programas que beneficiem aquelas comunidades que se preocupam efetivamente em recompor e preservar as margens dos rios e adotar as corretas técnicas de nivelamento do solo.
Leia também: Avanços e retrocessos da sustentabilidade no Brasil (artigo de Felipe Faria, publicado em 22 de setembro de 2018)
Já está demonstrado que as tecnologias de plantio direto desenvolvidas nos últimos anos não geraram os resultados esperados em todos os sentidos. A produtividade foi insuficiente e problemas gravíssimos ocasionaram grandes perdas para a agricultura, em especial aqui no Paraná. Erosões, perda de nutrientes e escassez hídrica são alguns desses problemas que podem ser solucionados com a adoção de medidas imediatas de recuperação das matas ciliares e adoção das corretas e tradicionais técnicas de correção e uso do solo.
Todos precisam entender que suas ações geram resultados positivos ou negativos ao nosso ambiente e essa reeducação para a sustentabilidade passa pelo envolvimento de todos. Deixar de consumir produtos com altos níveis de agrotóxicos e incentivar o mercado de produtos que adotem a agricultura sustentável são medidas eficazes para que não sejamos surpreendidos com informações como esta veiculada dias atrás. Precisamos exigir que projetos eficientes e eficazes sejam implementados imediatamente e não aceitarmos reajustes de tarifas que tenham como principal motivo os altos custos com produtos químicos para neutralizar a ação de pesticidas, material sólido ou outros poluentes que infestam nossos rios. Pensar para fora significa investir em ações efetivas e eficazes que tenham relação direta com a qualidade de nossos rios e matas.
Glauco Requião, advogado, consultor em sustentabilidade e CEO do Postura Sustentável.
Moraes eleva confusão de papéis ao ápice em investigação sobre suposto golpe
Indiciamento de Bolsonaro é novo teste para a democracia
Países da Europa estão se preparando para lidar com eventual avanço de Putin sobre o continente
Em rota contra Musk, Lula amplia laços com a China e fecha acordo com concorrente da Starlink
Deixe sua opinião