Recentemente foi publicada a Lei 14.230/2021, que altera a Lei 8.429/1992, que dispõe sobre a responsabilização pela prática do ato de improbidade administrativa. A legislação de improbidade até então vigente, originada há cerca de 20 anos, não correspondia à dinâmica atual das relações passíveis de serem analisadas sob o prisma da improbidade. Atualmente o contexto é bastante diferente: novos diplomas normativos tangentes à legislação ordinária de improbidade surgiram (tais como a Lei Anticorrupção), sendo necessária a atualização normativa, que veio em boa hora.
Dentre as alterações da legislação, uma das mais comentadas é a necessidade de dolo para a caracterização do ato de improbidade. Eliminou-se a modalidade culposa, ou seja, aquele ato considerado improbo por conta de negligência, imprudência ou imperícia do agente público não existe mais. Ou mesmo a omissão do agente, se não comprovadamente dolosa, intencional, não poderá ser taxada como improbidade.
Isso tende a dar mais seriedade nas acusações por improbidade administrativa, que passarão a ser focadas em condutas ativas e intencionais, que sempre deveriam ter sido o foco principal da legislação de improbidade. Não era mesmo concebível se imaginar determinado agente público cometendo improbidade por culpa, involuntariamente. A improbidade, pela própria essência, é infração carente da intenção de praticá-la. Essa é a gravidade que se busca coibir.
Outro ponto importante das modificações legislativas foi a previsão de que, se houver reconhecimento de envolvimento de pessoas jurídicas em ato de improbidade, com base na Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), ficam afastadas as penalidades sob a perspectiva da Lei de Improbidade. Isso é positivo, para evitar a dupla punição da mesma conduta.
Entretanto, há certo conflito que pode ser prejudicial ao investigado, haja vista que, enquanto a Lei de Improbidade não reconhece mais a infração culposa, a Lei Anticorrupção prevê a responsabilidade objetiva por atos de corrupção, ou seja, independentemente de dolo. A questão relevante a ser dirimida será a eventual prevalência de uma ou outra legislação (se é que ela existirá).
Era comum o uso das ações de improbidade como pressão política entre segmentos partidários oponentes, em claro desvirtuamento do processo judicial em questão
Quando tratou das pessoas jurídicas (privadas) passíveis de sancionamento por improbidade – tal como já ocorria na legislação anterior de envolvimento das empresas beneficiadas com o ato ou conduta investigada –, a legislação agora vigente previu que as sanções são aplicadas também nos casos em que haja posterior transformação, incorporação, fusão ou cisão da empresa. Entretanto, nos casos de fusão e incorporação, a empresa sucessora terá obrigação restrita ao dano causado, limitado ao valor do patrimônio que foi a ela transferido na operação societária, não lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas em lei, exceto quando houver simulação ou fraude na alteração societária realizada.
Esta previsão legislativa é adequada, sob pena de inviabilização de reestruturações societárias em grandes grupos empresariais, que muitas vezes são necessárias para se viabilizar a continuidade da atividade empresarial. De nada adiantaria o legislador não criar a limitação patrimonial para os casos de cisão e incorporação, pois o Estado acabaria credor de empresa falida. O engessamento de atos societários certamente não é a solução para a efetivação das sanções por improbidade administrativa.
Outro ponto bastante importante, sob a perspectiva das empresas privadas, refere-se à limitação das condutas que serão enquadráveis como atos de improbidade. O que antes era uma lista exemplificativa passou, agora, a ser rol delimitado, não podendo dali extrapolar. Não há dúvida de que a insegurança jurídica antes vista diminuirá com essa alteração, que é bastante positiva, sobretudo para se evitar muitos abusos interpretativos que eram costumeiros, seja por parte do Ministério Público, seja por parte do Poder Judiciário.
Por fim, outro aspecto a ser destacado refere-se à legitimidade exclusiva do Ministério Público para a propositura das ações de improbidade, que terá, inclusive, prazo de um ano para dar prosseguimento nas ações que estão em curso, sob pena de extinção desses processos. Na sistemática legislativa anterior, a União, os estados, os municípios e Distrito Federal possuíam legitimidade concorrente para ajuizar ação civil pública de improbidade administrativa. Era comum, nesse contexto, o uso das ações de improbidade como pressão política entre segmentos partidários oponentes, em claro desvirtuamento do processo judicial em questão. Agora, isso tende a se reduzir, em razão da legitimação exclusiva do Ministério Público – ao menos é que se espera, mais uma vez, em prol da mínima segurança jurídica.
Andre Bonat Cordeiro é advogado e mestre em Direito Administrativo.