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As leis que fazem o brasileiro enxergar mal
| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

A saúde visual no Brasil foi organizada com base nos Decretos 20.931/1932 e 24.492/1934. Poucos sabem, mas essa legislação evitou que a Optometria – ciência que estuda o ato visual – e o profissional que a estuda, o optometrista, se desenvolvessem em nosso país.

Na década 1990, surgiram os primeiros cursos de Optometria do Brasil, destacando-se o Bacharelado em Optometria da Universidade do Contestado, elaborado com base no modelo norte-americano de formação optométrica. Plenamente reconhecidos pelo MEC, os cursos superiores em Optometria tiveram sua legalidade reconhecida pelo STJ (MS 9.469/DF) por conta de ação promovida pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia na tentativa de extingui-los. A partir daí se intensificou o questionamento sobre a vigência dos Decretos de 1932 e 1934, que são utilizados até hoje para tentar impedir os atendimentos realizados por profissionais formados em Optometria.

O Ministério do Trabalho já havia reconhecido a profissão do optometrista ao descrever as competências e habilidades do profissional no campo da atenção primária à saúde visual. Durante os onze anos de tramitação da Lei do Ato Médico no Congresso Nacional, a classe médica lutou para que a prescrição de óculos e lentes de contato continuasse protegida por sua reserva de mercado. O dispositivo que renovaria as proibições foi objeto de veto presidencial sob a justificativa de que a atuação de profissionais não médicos no âmbito da saúde visual já era reconhecida pelo STJ (REsp 975.322/RS) e que tal privatividade prejudicaria os atendimentos nessa área. Os vetos foram mantidos pelo Congresso Nacional.

A liberdade profissional do optometrista vem sendo reconhecida por decisões monocráticas e colegiadas de Juízes e Tribunais Estaduais e Federais de vários estados e regiões, havendo ainda aqueles que optam pela reserva de mercado guiados muitas vezes pela desinformação propagada pelos médicos.

Desde 2008 tramita a ADPF 131 – ação constitucional que questionou a constitucionalidade de parte dos Decretos 1932 e 1934 e que foi promovida pelo Conselho Brasileiro de Óptica e Optometria – CBOO. O julgamento da ADPF 131 trouxe para optometria o reconhecimento necessário para o seu desenvolvimento, ressaltando-se, como ressaltou o ministro-relator Gilmar Mendes, os seguintes pontos: a) a prescrição de lentes de grau não é ato privativo de médico; b) os artigos 38, 39 e 41, do Decreto 20.931/1932, e dos artigos 13 e 14 do Decreto 24.492/1934 sofreram processo de inconstitucionalização desde o surgimento dos primeiros cursos de nível superior em Optometria; c) que há recomendação expressa ao Congresso Nacional que regulamente a profissão para que seja dada segurança jurídica aos profissionais.

Os serviços públicos de saúde, em sua grande maioria, não possuem profissional responsável pela atenção primária da visão e a espera por atendimento especializado pode chegar a até dois anos – tempo suficiente para que casos graves evoluam para cegueira. Nos países desenvolvidos, como Reino Unido, Suíça, Dinamarca, Noruega, Suécia e Espanha, os oftalmologistas são responsáveis por menos de 25% dos atendimentos primários e prescrição de lentes corretivas. Resta saber por quanto tempo o Estado brasileiro e os Poderes constituídos vão demorar para reconhecer a optometria e resolver a demanda reprimida por atendimento primário em saúde visual no Brasil.

Fabio Meger é advogado do Conselho Regional de Óptica e Optometria do Estado do Paraná (CROO-PR).

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