A maçã não é a vilã. A serpente utilizou-se da fruta para gerar a desobediência e o pecado. A humanidade sabe disso e a atribuiu divertidamente simbologias da tentação. Nem por isso a sentenciamos como algo do mal.
Os recentes debates sobre a abertura da tecnologia da Apple para o FBI, a polícia federal norte-americana, traz à tona conceitos que vão além da privacidade digital. Alguns desses conceitos são importantes para considerar: o uso das invenções para o mal; atitudes erradas para motivos nobres; atitudes nobres para motivos errados.
A Apple é uma empresa admirada, muito em parte pelo que fatura. Mas poucos teriam a coragem de investir o que ela investe. Muito dinheiro que vai e nem tanto que volta. A Apple investe muito, assim como muitas outras. O resultado disso são os bilhões de celulares pelo mundo e centenas de milhões de cobiçados iPhones usados, em sua imensa maioria, para o bem. Vamos justamente crucificar um mercado inteiro por um único aparelho de uma pessoa que também usa diversos outros equipamentos notoriamente desenvolvidos para a violência?
O Brasil é tolerante sobre supostas atitudes nobres para motivos admitidamente errados
O homem desenvolve tecnologias a favor da humanidade, mas alguns poucos insistem em ser do contra. Nem por isso devemos culpar Ford, Bell, Edison, Jobs ou Santos Dumont. O mundo não tem sido objetivo ao combater o mal. Se há terror ou guerra, é porque esses são grandes negócios. Fábricas de armas financiam políticos. Armas são exportadas como produto qualquer. O ódio vira critério de escolha. Uma maçã é uma cortina de fumaça.
O Brasil tem paralelos interessantes que confundem a percepção do certo e do errado quando se trata de abertura de informação. Por aqui temos uma forte cultura filantrópica às avessas. Esperamos receber por benesses. Em 2005, tivemos a quebra de patentes de medicamentos de combate ao vírus HIV. A ameaça de quebra serviu para se negociar a redução de valores e possibilitou a compra de mais medicamentos. O motivo nobre não justifica a atitude. Até porque o valor dos medicamentos é irrisório se comparado aos equivocados investimentos em saúde pública. Pode parecer frio e desumano, mas as ações como quebras de patentes ou aberturas de tecnologia são completamente desestimulantes para novos investimentos e, consequentemente, para a criação de novas tecnologias. Pior: elas reduzirão as soluções de problemas que ainda nem sabemos que existem.
O Brasil é tolerante sobre supostas atitudes nobres para motivos admitidamente errados. Um réu afirma que não entregará seus parceiros em delação premiada. Praticamente confessa a existência de erros e justifica seu silêncio pelo que poderia ser chamado de omertà. Quer demonstrar honradez aos seus pares e filhos. Não abrir essa informação poderia ser bonito se não fosse para encobrir as verdades dos erros que sabe.
A Apple não pode ser condenada por preservar sua tecnologia. Ainda que essa quebra resolvesse todos os problemas de terror no mundo. O motivo é nobre. Todos somos solidários com o fim do terrorismo. Outras tecnologias virão, e esperamos que continuem vindo, se tomarmos a atitude certa.
Infelizmente o mal continuará existindo, se preciso for, até sem o uso das tecnologias. Se for preciso, voltará às conversas presenciais. Aí, nossas suspeitas mudarão de lugar. Pensando bem, uns dias atrás, no meu tradicional café da manhã na Padaria Vó Gema, em Santa Felicidade, havia dois sujeitos muito suspeitos. Será?
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