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A pandemia do coronavírus está sendo usada pelo Congresso Nacional, que está atuando de forma atípica, sem as reuniões das comissões e sessões legislativas a distância, para tratar de temas importantes, mas não urgentes. É o caso da lei da censura da internet, que quer rastrear as conversas privadas do WhatsApp, e o projeto da maconha.
Na noite de quarta-feira, 19 de agosto, o deputado federal Paulo Teixeira, do PT, apresentou um substitutivo ao Projeto de Lei 399/2015, que não teve parecer apresentado ou aprovado em comissão especial. A proposta original dizia viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação, mas o texto apresentado agora quer aprovar o cultivo, processamento, pesquisa, armazenagem, transporte, produção, industrialização, comercialização, importação e exportação de produtos à base de qualquer das espécies do gênero Cannabis. Assim, o substitutivo permite, dentre várias outras coisas, o cultivo em larga escala da planta da maconha em território nacional.
Além disso, outro ponto do substitutivo que chama especial atenção é a permissão de uso da Cannabis em tratamentos fitoterápicos: o parágrafo único do artigo 20 afirma que “não haverá restrição quanto aos critérios para a prescrição de medicamentos canabinoides, desde que seja feita por profissional habilitado e com anuência do paciente ou responsável legal”. Assim, este PL, caso aprovado, abre uma brecha enorme para que a maconha possa ser comprada por usuários recreativos, bastando para tanto que estejam munidos de receita médica. A experiência de outros locais que legalizaram a maconha para uso medicinal de maneira irrestrita mostra o surgimento de médicos que se especializaram em receitar o uso da maconha para pacientes com as condições mais diversas.
Outro perigo encontrado no PL está no § 2.º do artigo 21. O dispositivo libera a produção de qualquer produto à base de maconha, desde que contenha um nível de THC abaixo de 0,3%. Ocorre que esta não é a única substância psicoativa da maconha (há outras, como o canabidiol, que também agem sobre o sistema nervoso central).
Por fim, a proposta, portanto, ao permitir a produção em larga escala das diversas plantas do gênero Cannabis no Brasil, seu uso irrestrito para fins medicinais, e a produção de qualquer produto contendo a Cannabis, bastando unicamente que contenha uma quantidade de THC inferior a 0,3% do seu peso seco, abre portas para o uso da maconha no Brasil de maneira muito ampla e além do uso medicinal.
Sabemos que o uso medicinal de produtos à base de Cannabis já é uma realidade no Brasil, como preveem a Lei 11.343/06, a RDC 17.2015, a RDC 335/2020 e a RDC 156/2017 da Anvisa. O que nos confirma o claro objetivo do substitutivo do PL 399/15: um verdadeiro facilitador do uso recreativo da maconha no Brasil, travestido de uso medicinal.
Diego Garcia é deputado federal (Podemos-PR).