A presença feminina ainda é rarefeita nas altas esferas do poder, fenômeno verificado acima e abaixo da linha do Equador. A ex-premier do Paquistão, Benazir Bhutto, acaba de retornar ao país determinada a reconquistar o poder, mesmo tendo que se sujeitar a dividi-lo temporariamente com o ditador Pervez Musharraf, à frente de um claudicante regime apoiado pelos EUA. Um governo comandado por uma mulher não é um fato corriqueiro, especialmente num país de maioria islâmica.
Mas são os países ocidentais, sobretudo os sul-americanos, que assistem a uma primavera feminina na política. Na região, o movimento começou há cerca de dois anos com a eleição da presidente chilena Michelle Bachelet e ganhou amplitude com a recente vitória de Cristina Kirchner, na Argentina. É cedo, no entanto, para afirmar que estamos diante de uma ruptura com o passado de sexismo e misoginia tão característicos do caudilhismo latino-americano.
As fanfarronices do presidente venezuelano, Hugo Chávez, e o destempero do rei espanhol, Juan Carlos, que reagiu às provocações como um touro na arena, nos lembram que a política ainda é um domínio masculino. Só faltou cena de pugilato na sessão de encerramento da Cúpula Ibero-Americana. A maior descortesia dos distintos cavalheiros foi com a anfitriã do encontro, Michelle Bachelet.
Na semana passada, o jornal The New York Times (18/11/2007), dedicou-lhe um extenso artigo, com um título sugestivo: "Depois do caudilho." O texto, assinado por David Rieff filho da ativista e escritora americana Susan Sontag, morta em 2004 analisa a difícil e bem-sucedida transição chilena e aponta os enormes desafios políticos enfrentados pela primeira mulher a alcançar a presidência na América do Sul "pelos seus próprios méritos".
O escritor chileno Ariel Dorfman resume bem a dimensão histórica da sua vitória: "Pouco importa se Bachelet realizar ou deixar de realizar alguma coisa significante durante o seu mandato como presidente; ela já fez algo imensamente importante e imensamente positivo pelo Chile apenas por ter sido eleita". Uma das novidades da sua administração é a paridade de gênero na formação do ministério. Assim, o Chile se junta aos países nórdicos no quesito participação feminina na política.
Na última segunda-feira, quando o presidente Lula recebeu a visita oficial da presidente eleita da Argentina, Cristina Kirchner, cumpriu um ritual que poderá tornar-se rotineiro até o final do seu mandato: sentar-se à mesa com chefes de Estado que usam batom e saia. Em breve, elas poderão ser a maioria no bloco do Mercosul. Basta que a pré-candidata a presidente do Paraguai, Blanca Ovelar, apoiada pelo atual presidente, Nicanor Duarte, vença a acirrada disputa dentro do Partido Colorado e as eleições gerais marcadas para abril de 2008.
O próprio Lula parece inclinado a ungir uma mulher para sucedê-lo: a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Escalada há duas semanas para anunciar a descoberta da megarreserva de petróleo e gás natural do campo Tupi, na bacia de Santos, ela se tornou a principal figura da Esplanada, desempenhando informalmente as funções de primeira-ministra. Discreta e eficiente, poderá capitalizar o sucesso do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
Enquanto a oposição continua atordoada, sem discurso e a reboque da agenda do governo conforme ficou evidente no embate em torno da prorrogação da CPMF, que opôs os governadores do PSDB à bancada do partido , Lula usa a sua imensa popularidade para evitar uma antecipação da corrida sucessória. Com isso, vai ganhando tempo para fortalecer Dilma Rousseff, a melhor aposta do PT para um terceiro mandato consecutivo.
A questão é saber se o Brasil está preparado para ter uma mulher na Presidência.
A mesma pergunta vem sendo feita nos Estados Unidos, onde Hillary Clinton caminha a passos firmes para capturar a candidatura do Partido Democrata. Com a crescente impopularidade do presidente George W. Bush, do Partido Republicano, ela já desponta como franca favorita na corrida para a Casa Branca. Se vencer, será a primeira mulher a alcançar a presidência do país desde a sua independência, em 1776.
A ascensão das mulheres ao poder é um fenômeno bastante recente nos países desenvolvidos. Pela primeira vez na história, a Alemanha é liderada por uma mulher, a chanceler Angela Merkel. Ela é a terceira mulher a chefiar o governo de um país do G-8. Suas precursoras foram Margaret Thatcher, primeira-ministra da Inglaterra entre 1979 e 1990, que ficou conhecida como "a dama de ferro", e Kim Campbell, que foi primeira-ministra do Canadá por um curto período, em 1993.
No âmbito regional, a eleição de 2006 causou sensação com a surpreendente vitória de Yeda Crusius na disputa do governo gaúcho. No microcosmo da política paranaense, a principal novidade foi a advogada Gleisi Hoffmann, que esteve muito perto de derrotar um político veterano, o senador Álvaro Dias. No próximo dia 2 de dezembro, ela deverá ser eleita presidente do Diretório Estadual do PT e já desponta com virtual candidata do partido à prefeitura de Curitiba, em 2008.
O PT parece ser o partido mais inclinado a abrir espaço para as mulheres, no plano nacional e local. A onda feminina na política pode estar apenas começando nestas paragens.
Paulino Motter é jornalista e Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB).