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O reinado de Charles III inicia-se marcado por uma série de perdas para a comunidade do Reino Unido. Nesse contexto, o maior desafio do rei será de demonstrar capacidade para contornar algumas crises britânicas, outras da própria família real, e ajustar o comportamento e o simbolismo da monarquia aos novos tempos, moldados pelos fatores de desenvolvimento da sociedade.
O simbolismo da monarquia para o Reino Unido ainda preserva bases relativas ao período de glorificação do Império Britânico, mas, principalmente durante o reinado de Elizabeth II (1952-2022), foi reforçado pelo imaginário do misticismo que envolve o mercado de consumo e do atrativo cultural e turístico, particularmente na Inglaterra.
O cenário da comunidade britânica que se destaca para a atenção do rei Charles é sobre a aprovação à continuidade da monarquia constitucional, como sistema de governo no Reino Unido. Em recente levantamento da YouGov para a BBC em abril de 2023, em princípio a monarquia ainda mantém certo respaldo popular, quando se constata que 58% dos entrevistados preferem ter um rei como chefe de Estado, enquanto outros 26% definem a preferência por eleição direta. Porém, quando essas opiniões são segmentadas por faixa etária, observa-se que a monarquia está sustentada fundamentalmente pela população mais velha (78% dos acima de 65 anos defendem que a monarquia deve continuar), enquanto entre os mais jovens (18-24 anos) apenas 32% defendem a monarquia e 38% se definem favoráveis a um chefe de Estado eleito.
Com idade já bem avançada, aos 74 anos parece que caberá ao novo rei um importante papel de transição da monarquia.
O fato que vai ficando claro neste cenário de início de reinado de Charles III é que, ainda que se mantenham os lastros seguros de manutenção da monarquia constitucional como sistema político de governo, após a morte da rainha Elizabeth II cresceram os movimentos, ou ao menos se sentiram com mais oportunidades de expressão, de oposição à monarquia e de pressão para uma modernização no comportamento e no papel da família real no Reino Unido.
Charles não tem nem o perfil e nem o apoio popular da mãe, mas tem envolvimento com algumas pautas ambientais e sociais, que em princípio o colocam em bandeiras e ações mais afirmativas do que o posicionamento anterior da rainha. Esse comportamento pode ser entendido como um traço mais atualizado do papel esperado para a monarquia. Mas, provavelmente, ainda será pouco expressivo para as expectativas e pressões que o cercam.
No espectro imediato das tensões, além dos movimentos de oposição à monarquia e a baixa representatividade da coroa para os jovens, o Reino Unido vive taxas elevadas de inflação, cujo índice de preços ao consumidor em abril de 2023 acusou uma inflação de 10,1%, e tem um primeiro-ministro, Rishi Sunak, recém empossado em outubro de 2022, necessitando do apoio e suporte do rei para enfrentar as instabilidades políticas no Parlamento Britânico, que ocorrem desde o processo de decisão do plebiscito em relação ao Brexit, em 2016.
Entretanto, o fator de maior atenção para o rei nesse momento talvez seja a estabilidade e coesão da comunidade de países do Commonwealth em que o rei é o chefe do Estado. Somam ao todo 14 países, além do Reino Unido, sendo que, desde a morte da rainha Elizabeth, alguns desses países já vêm demonstrando uma tendência a se tornarem repúblicas. Barbados já rompeu os laços com a monarquia e se tornou uma república em novembro de 2021. Já há menções de referendos para tal decisão sendo encaminhados para futuro próximo no Canadá e na ilha de Antígua e Barbuda. Mas a tensão maior pode ficar mesmo concentrada no Reino Unido, com o estímulo de oportunidade aos movimentos separatistas na Escócia e na Irlanda do Norte.
Com idade já bem avançada, aos 74 anos parece que caberá ao novo rei um importante papel de transição da monarquia. Possivelmente atuará na representação britânica em algumas pautas importantes de governança global, tais como as condições de sustentabilidade do planeta, ao mesmo tempo em que tentará buscar respaldo popular na tradição britânica pela manutenção da monarquia constitucional.
Nessa transição da monarquia, provavelmente já deva ser construído uma imagem mais moderna e mais representativa para as novas gerações britânicas do reinado, envolvendo diretamente o príncipe William, primeiro herdeiro na linha de sucessão, bem como a princesa Kate, que têm assumido o papel de estabilidade familiar, de maior proximidade com os súditos e de modernidade de comportamentos e valores, sem necessariamente romper com o eixo de tradição da monarquia na representação do Estado britânico.
Mauricio Homma, doutor em Ciências Sociais, mestre em Educação e graduado em Ciências Políticas e Sociais, é professor no curso de Relações Internacionais da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, e pesquisador na área de diplomacia federativa e alinhamentos globais de políticas públicas.