A Constituição está em vigor há mais de 32 anos. O regime único para as polícias estaduais é uma de suas exigências. Mas, mesmo com todo esse tempo de espera, o projeto nesse sentido que o Congresso Nacional se prepara para votar ainda provoca polêmica. Alguns acusam o governo federal, ou até mesmo o presidente Jair Bolsonaro pessoalmente, de tentar reduzir a autoridade dos governadores sobre suas forças de segurança. Outros buscam tornar menos volátil a posição dos comandantes das polícias militares e dos chefes das policias civis. E há, ainda, quem pretenda alterar uniformes, redefinir procedimentos e até instituir a patente de general nas PMs, onde hoje o maior posto é o de coronel.
De todo o colocado, salvo melhor juízo, o mais importante é a proposta de reduzir a fragilidade dos comandos. Hoje, seus titulares são nomeados e demitidos por atos discricionários do governador, que pode trocá-los conforme sua vontade e nem precisa apresentar justificativa. As propostas em tramitação estabelecem que o comandante militar e o chefe da Polícia Civil sejam escolhidos pelo governador dentro de uma lista tríplice apresentada pela instituição e seus membros; que os nomeados tenham tempo fixo de mandato; e que a eventual demissão antes de findo o período só ocorra ad referendum da Assembleia Legislativa. Pensando bem, não há nem a necessidade da lista tríplice; o governante pode ter a liberdade de nomear quem melhor lhe pareça, desde que preencha os requisitos legais do posto. Mas não deve ter a mesma facilidade para demitir, só podendo fazê-lo com válidas razões e aprovação dos deputados.
Fixar tempo de mandato e burocracias à demissão antecipada dará mais segurança ao dirigente policial para executar sua política de segurança pública com mais rigor técnico e sem interferência política. Se implementado, esse regime tende a dar mais liberdade e melhorar o desempenho das polícias e sua prestação de serviços à comunidade. E nada deve impedir que, ao fim do seu mandato, como acontece no Ministério Público e em outras instituições, o comandante possa ser reconduzido ao posto para mais um período em reconhecimento ao bom trabalho realizado. Para os casos excepcionais e graves, tanto funcionais quanto de relacionamento institucional, o governador terá nas mãos a sua caneta, embora, para utilizá-la, necessite do aval do Legislativo.
Já a instituição do general de Polícia Militar – em similaridade com as Forças Armadas – é algo irrelevante. Poderá satisfazer a vaidade de alguns com possibilidade de ascenderem aos postos daquele nível, mas estes em nada vão diferir dos atuais coronéis em dignidade e representatividade funcional. Pode-se argumentar que, com a abertura do generalato, haverá um alivio nos quadros e melhores possibilidades de promoção da tropa. Isso, no entanto, é ilusório, pois hoje, mesmo com a reclamada falta de fluidez no alto da pirâmide, existem milhares de postos criados e não preenchidos na estrutura das polícias estaduais, entre outras razões, por falta de orçamento para provê-los.
Independentemente das controvérsias, a padronização estatutária das polícias estaduais é imperativo constitucional e não deve ser motivo de disputas, proselitismo ou aproveitamento político, ideológico ou eleitoreiro. O parlamento está atrasado em mais de 30 anos na sua tarefa de concluir o trabalho dos constituintes de 88. Ainda existe uma centena de dispositivos da Carta Magna dependentes de leis complementares. Isso é nocivo à vida nacional e enseja, entre outros problemas, a hoje criticada interferência do Supremo Tribunal Federal em atribuições do Executivo e do Legislativo. Deputados e senadores têm o dever de cumprir essa tarefa, que é inerente a seus mandatos.
Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar de São Paulo e dirigente da Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo (Aspomil).
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