Já se vão alguns semestres que sempre inicio minhas aulas na universidade com uma constrangedora pergunta aos alunos: qual a vantagem que o ensino presencial possui em relação ao ensino a distância? Depois de pensarem muito, eles, que vivem boa parte de suas vidas no mundo virtual, comparando mentalmente as duas modalidades arriscam: “em sala de aula existem discussões!”, “o professor pode explicar melhor o conteúdo!” A esses habituais argumentos, certa vez um aluno contra observou: “discussão é justamente o que não existe! Nem mesmo nos intervalos conversamos uns com os outros, quando cada um aqui pega o seu celular e vai para um canto!”
E de fato não parece existir, na maioria dos cursos e aulas, qualquer vantagem do ensino presencial sobre o ensino a distância. Obviamente refiro-me a um ensino a distância que tenha por objetivo transmitir de fato conhecimento por meio dos recursos de comunicação atualmente disponíveis. Isso exclui cursos e faculdades – privadas e públicas - tão somente interessadas em lucro e recursos do governo. E que são muitas. Também refiro-me a cursos e professores presenciais de fato empenhados em transmitir conhecimento aos alunos. Isso exclui cursos e professores com formação insuficiente, que preferem falar sobre suas preferências políticas, não permitem discordância de opinião, etc. E que são muitos também.
Dito isso, a comparação. Mesmo um professor muito culto e suficientemente preparado, e com ótima capacidade de comunicação – coisas que, por si mesmas, não são comuns de serem encontradas em um único profissional – mesmo um professor assim, não é capaz de reunir numa aula presencial aquilo que de forma sistematizada e dispondo de recursos audiovisuais quase infinitos pode ser atualmente obtido pela forma virtual. Numa aula ao vivo, detalhes importantes podem ser esquecidos, e jamais lembrados; perguntas importantes não serão feitas; aulas poderão ser perdidas por conta do trânsito e vários outros motivos; trechos das aulas também, pela dúvida entre anotar ou prestar atenção ao que está sendo dito, por uma saída rápida da sala de aula, etc.
Todas essas limitações desaparecem na modalidade a distância: recursos audiovisuais podem ser usados à vontade e de forma ordenada; o conteúdo poderá ser visto quantas vezes se desejar, em casa ou qualquer outros lugar, perguntas poderão ser calmamente pensadas antes de serem feitas, e as respostas avaliadas e comparadas, etc. Sobre isso ainda, um detalhe tragicômico: entrar numa sala de aula da universidade, nos casos em que o professor permite que os alunos usem seus celulares, pode nos levar a crer que o ensino a distância já está sendo aplicado na modalidade presencial...
Resumidamente, até 1995, antes da popularização da internet no Brasil, a transmissão de conhecimento era feita majoritariamente pelo método professor, aluno e sala de aula; e com menor intensidade também por meio de bibliotecas, jornais, cursos por correspondência, rádio, televisão, etc. Nesse contexto, a ideia de ensino presencial possuía razoável sentido. Repetindo, apenas razoável sentido.
Durante muitos séculos, não existindo nenhuma forma mais prática de ensino, a ideia de um professor falando para seus alunos foi uma solução que parecia funcionar melhor que as alternativas.
A dúvida mais significativa vem a ser, portanto, sobre o porquê dos recursos atualmente disponíveis de transmissão de conhecimento não serem amplamente utilizados. Os motivos, todos ruins, variam em função das intenções e interesses de cada grupo.
Existem, por exemplo, professores nostálgicos e puristas, que imaginam só ser possível transmitir o verdadeiro conhecimento de forma artesanal, andando e gesticulando entre os alunos. Em 80% ou mais dos casos, como já foi dito acima, as aulas presenciais poderiam ser dadas a distância sem qualquer prejuízo – e evidentes vantagens - para estes últimos.
Muitos alunos observam que a modalidade de ensino a distância exige grande disciplina por parte do estudante. O que é verdade; como também seria verdadeiro dizer que a disciplina aí exigida é menor que aquela necessária no ensino presencial: quatro ou cinco anos, cinco vezes por semana, quatro aulas por dia, manter-se acordado, ouvir o professor e anotar o conteúdo, administrar a logística de deslocamento, etc.
Por sua vez, as corporações docentes temem que o ensino a distância diminua a necessidade de tantos professores por escola. A ideia do valor humano envolvido na relação entre professor e aluno seria em parte válida num contexto que não é o predominante no modelo atual de educação: engessado por leis e disputas ideológicas, o atual modelo termina por ser cada vez mais um meio termo desidratado que tem como finalidade única o vestibular.
Ainda em meio às razões corporativas, é pouco provável, entre outras ilustrações possíveis, que um professor que possui liberdade para passar um tempo significativo de suas aulas falando sobre suas preferências políticas ou assuntos os mais variados, queira gravar aulas incluindo estes mesmos conteúdos. De modo que existem boas razões, do ponto de vista corporativo, para que a ideia de ensino a distância seja considerada uma ideia bastante incômoda.
Pior que tudo isso, e como resultado dos motivos apontados, boa parte do ensino público preferiu, ao longo dos últimos anos, tratar de forma ambígua o ensino a distância. Existe um discurso favorável, existe a ideia de que “são meios válidos e muito interessantes”, existe previsão de seu uso nos próprios cursos presenciais, etc. Mas não parece existir grande desejo de que essas possibilidades se realizem.
No momento, a pandemia que se espalha por todo o mundo coloca, por aqui e por exemplo, um dilema para a universidade: ao mesmo tempo que é constrangedor para seus professores e funcionários receberem integralmente seus salários trabalhando em regime “semi parcial”, ao mesmo tempo parte significativa desse trabalho poderia ser feito, possivelmente com melhores resultados, na modalidade a distância.
Fábio Viana Ribeiro, sociólogo e professor-associado da Universidade Estadual de Maringá
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