O Enem 2022 já tem data marcada: 13 e 20 de novembro. As inscrições para o exame começam no próximo dia 10 e vão até 21 de maio. Mas a situação é delicada: com base nos últimos dados divulgados sobre o desempenho dos alunos no último ano pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), os estudantes devem se preparar, e muito, para conseguirem bons resultados na prova deste ano. Em 2021, 95.788 estudantes tiraram nota zero na redação. Já a nota máxima, mil pontos, foi atingida por apenas 22 pessoas. A cada ano, o número de participantes com nota máxima na redação diminui: em 2019, foram 53 provas; em 2020, apenas 28 textos conseguiram aproveitamento total no texto.
Ao analisar esses dados, que observações, ponderações e preocupações podemos levantar? Esses índices transcendem o Enem e fazem ecoar um sistema educacional repleto de fissuras, sobretudo a partir dos efeitos que a pandemia de Covid-19 trouxe e traz para a performance dos estudantes brasileiros em exames e provas, no mercado de trabalho e, o mais importante, em suas próprias vidas.
Como base em uma leitura superficial desses índices divulgados pelo Inep, fica nítida a disparidade quanto à capacidade de produção textual dos estudantes brasileiros. A mediocridade e a insuficiência gritam nos ouvidos dos pais, das escolas e dos próprios alunos, enquanto a excelência, tímida em um canto, se encolhe. Os reflexos desse nefasto cenário certamente se tornam mais preocupantes quando associamos tais dados aos 38% de universitários que se encontram na condição de analfabetos funcionais e aos 50% de estudantes brasileiros que fizeram o último Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) e que, no que tange à habilidade de leitura e interpretação de textos, foram classificados no nível 1, o mais baixo.
Além disso, os efeitos pandêmicos já começam a pedir passagem. Basta verificar as notas da maioria do corpo discente em avaliações escolares neste primeiro trimestre de 2022 para se ter uma ideia do tamanho da defasagem educacional – em todos os sentidos deste termo. Tal contexto vai se desenhando como um enorme desafio para os professores; afinal, são eles que se encontram na linha de frente – expressão muito comum nos últimos anos – do sistema educacional, antes mesmo de reformas, legislações e algumas utopias pedagógicas.
Mas jogar a culpa na pandemia seria uma atitude bem simplória. No caso da educação, essa mazela apenas robusteceu problemas que estão instalados no país há alguns anos: o déficit educacional, a evasão escolar e o lugar da escola enquanto instituição social no século 21. O período pandêmico deu um zoom nos entraves relacionados à formação do estudante brasileiro, seja do sistema público, seja do privado. De fato, o que o público infanto-juvenil fazia detrás de telas que se mostravam, por vezes, escuras? O que acontecia em seus quartos durante as aulas virtuais? Como eles encaravam as avaliações escolares? Como eles encaravam a si mesmos durante o novo normal? Será que havia preocupações reais quanto a esses (in)ofensivos contextos?
Vale ressaltar, ainda, que o déficit na aprendizagem, nítido a partir de 2021, vai trazer, e já está trazendo, defasagens ao ensino superior e ao mercado de trabalho. Haverá, quem sabe, em muitas pessoas certa sensação de tempo escolar perdido e de baixa capacidade cognitiva. Como gestores de ensino, gerenciadores de carreira e empresas vão lidar com isso? Pelo jeito, o futuro exigirá muito mais que planejamento. Encontrar um lugar no mundo para os futuros adultos não será apenas conquistar uma carreira, ter dinheiro, mas, de fato, saber como construir maturidade psicoemocional para lidar com uma sociedade que atravessa uma enorme transição.
Como professor de Redação, percebo que, nos últimos dois anos, muitos alunos que me procuram para fazer uma preparação para a prova do Enem e dos vestibulares têm apresentado, inicialmente, muitas dificuldades para se expressar por meio da linguagem escrita. Conseguimos, no Enem 2021, ter uma média de 930 pontos na produção textual. Não houve fórmulas mirabolantes nem milagres. Infelizmente, o retrato do país não terminou com a mesma satisfação. Agora, torcemos para que os resultados atingidos pelos estudantes este ano sejam diferentes.
Marcus Vinícius de Souza, professor e escritor, é mestre em Estudos de Linguagens e “Oustanding Educator” pela Universidade de Chicago.
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