Consideradas historicamente, as reformas políticas têm se cingido, no Brasil, a sucessivas reformulações de natureza eleitoral. Criamos, com isso, a síndrome de tomar por políticas simples mudanças pontuais do sistema partidário-eleitoral. E a melhor evidência é que, conquanto multiplicando-se ao longo do tempo, essas reiteradas reformas restringiram-se à mudança do sistema majoritário adotado em 1821, no Império, pelo sistema proporcional instituído mais de um século depois pelo Código Eleitoral de 1932, o que nos leva a indagar em que medida tais alterações ajudaram a aprimorar nossas instituições político-representativas.
Todo o arcabouço legal nesse terreno, além de normas constitucionais, restringe-se a apenas quatro ordenamentos distintos: o Código Eleitoral de 1965, a Lei Complementar de Inelegibilidades de 1990, a Lei dos Partidos de 1995 e a Lei Eleitoral de 1995, dessas duas últimas, aliás, tive o ensejo de participar das discussões como vice-presidente da República. Com exceção do Código Eleitoral, as demais foram sancionadas na década de noventa do século anterior. As resoluções do TSE, no entanto, somam mais de 20 mil.
Uma vez que não há alternativas aos sistemas eleitorais que as modalidades majoritária ou proporcional e que essa última além de se encontrar consagrada em todas as constituições democráticas do país, desde 1934, é adotada na maior parte do mundo, por ensejar menores inconvenientes que o sistema majoritário, embora aqui seja por listas abertas, talvez seja hora de refletir conjuntamente a propósito dos passos a serem dados tão logo esteja encerrado o pleito deste ano.
É importante ter presente que as reformas de que necessitamos para vencer o agudo déficit de governabilidade se alojam no campo político-institucional e ultrapassam e muito o território eleitoral-partidário. Mais do que meus argumentos, parecem-me úteis as lições de Norberto Bobbio, contidas no seu livro "Entre Duas Repúblicas", em que o mestre analisou, ao fim da Segunda Grande Guerra, a conjuntura que vivia seu país quando se discutia o futuro da Itália e os rumos de sua Constituição de 1946, que, lá como aqui, tinha o objetivo de devolver à nação a democracia tão cruelmente banida lá pelo fascismo, aqui pelo Estado Novo. A transcrição de trechos iniciais do livro, sob o título "Homens e Instituições", justifica-se por si mesma e por sua enorme atualidade:
"Há ainda quem diga que a política é questão dos homens. Tais pessoas formavam, durante o fascismo, o alinhamento dos iludidos, porque admitiam que tudo teria dado certo se, no lugar desses homens, corruptos e prepotentes, houvesse outros homens, honestos e íntegros. Essas pessoas são, hoje, as mesmas que vão aumentar a fila dos desiludidos, porque descobrem que nem todos os governantes são Péricles e nem todos os membros dos Comitês da Libertação Nacional são Catão. Esse conceito, melhor dizendo, esse preconceito, baseia-se na divisão abstrata e moralista dos homens, de todos os homens, em bons e maus, e na falsa e ingênua opinião de que a política seja a simples arte de colocar os bons no lugar dos maus. (...) para quem insiste em dizer que é questão de homens, responderemos com absoluta segurança, que é de instituições".
Em apertada síntese outra não é a conclusão: melhorar a qualidade da política, fazê-la sinônimo de bem comum, significa renovar as nossas instituições; torná-las capazes de dar respostas às demandas da sociedade e, assim, estabelecer uma democracia real, sem a qual não se assegura a liberdade, a justiça e o desenvolvimento orgânico do país. Não basta, destarte, considerarmos as instituições apenas sob o ponto de vista político e jurídico, mas, igualmente, levarmos em conta o seu aspecto social.
Dispensável lembrar ser o Estado, em suas distintas formas e diversas formalidades, a mais antiga instituição do nosso planeta. Não porque seja a mais importante construção humana, mas pelos atributos que a ele vêm associados: o poder, a dominação e, como corolário, o monopólio de coerção. Assim, não há outra tarefa a cumprir em nosso país senão a de edificarmos autênticas instituições: não só um adequado sistema eleitoral-partidário, mas igualmente aprimorar o sistema de governo, estabelecer uma verdadeira federação e restaurar os valores republicanos enquanto res publica, preconizada por Cícero há mais de 20 séculos.
Eis, portanto, a primeira tarefa a ser cumprida pelos ungidos em outubro, sem a qual a idéia democrática não habitará na consciência nacional.
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