| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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Considerada pela Constituição brasileira como a base da sociedade (artigo 226), a família tem sofrido muitas alterações em seu conceito e em sua ideia ao longo dos últimos tempos. Inclusive para efeitos jurídicos. Isso é fruto de novas configurações, formações ou alteração de papéis, o que ocasionou uma releitura do Direito e da forma como as leis enxergam a família. Daí surgiram alguns instrumentos novos em namoros e matrimônios, criando um processo de contratualização cada vez maior e intensa das relações afetivas e amorosas. Mas tudo isso é reflexo do quê?

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Esses novos arranjos familiares geram, por consequência, uma obsolescência da legislação, que não consegue acompanhar as mudanças e acaba em descompasso. Não raras vezes, há uma total falta de sintonia entre que o que está positivado, seja na Constituição Federal ou em nosso Código Civil, com o que vemos no cotidiano das pessoas. Estas “novas famílias” demandam novas expectativas criadas pelos envolvidos em suas relações ímpares construídas diariamente e em constante mutação, mas que não encontram nas leis respaldo jurídico adequado e instigam a criatividade dos advogados familiaristas para que, nos pontuais casos, se criem instrumentos específicos àquele núcleo familiar, atendendo aos anseios daquele determinado grupo.

Dentre as diversas espécies de documentos construídos para atender as expectativas destas famílias que desejam construir uma relação afetiva, também em termos jurídicos, há os contratos de namoro, os contratos intramatrimoniais e os contratos pós-divórcio, entre outros, como acordos sobre regras de comportamento a serem adotadas pelo casal, quando casados.

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Esta contratualização crescente e intensificada das relações afetivas tem levado alguns estudiosos a questionar o impacto social que isto terá nas relações em si. O afeto está sendo transformado em um contrato? Será que, em vez do anel de noivado, teremos de assinar um documento? Não creio que seja esse o caminho dessa história. Contudo, é fato notório que o Direito de Família codificado está em profunda crise ao não conseguir acompanhar as mudanças cotidianas das relações familiares e, assim, não satisfazer a expectativa criada pelos entes familiares.

No entanto, vê-se, também, uma necessidade de regramentos particulares que afastem crises de incertezas e permitam a estes novos modelos familiares estabelecer as diretrizes pelas quais aquele determinado núcleo familiar deseja estar atrelado. O contrato de namoro é prova disto. Em que pese o namoro ser instituto desprovido de qualquer respaldo jurídico e sem qualquer criação de deveres e obrigações legais para os namorados, a sua proximidade com a união estável trouxe a criação de uma figura contratual cuja ideia é garantir que aquela relação de afeto não seja algo diferente do que os envolvidos acreditam ser.

Outra situação é a das famílias poliafetivas que, desprovidas de qualquer previsão legal, acabam encontrando na contratualização das suas relações uma saída a fim de que sejam pré-estabelecidas as regras, por exemplo, de dissolução e partilha dos bens adquiridos durante a relação. É importante registrar que o Direito, principalmente o das famílias, não é alheio à afetividade das relações. No entanto, o casamento, por exemplo, para o Direito, é apenas um contrato. Nada mais do que isso. E a razão da sua proteção legal é, em termos práticos, regulamentar as consequências patrimoniais advindas daquele contrato.

Diante disto, a busca por estes instrumentos jurídicos de regulamentação visa justamente trazer segurança para os envolvidos e a realização de um planejamento. O que, inclusive, é previsto como um direito constitucional (§7.º do artigo 226 da Constituição) e garante aos envolvidos o exercício da livre iniciativa entre os particulares. A crítica daqueles que veem nesta contratualização uma transformação do afeto em meras folhas de papel e tinta é pertinente e merece ser ouvida. No entanto, o que se precisa observar é que estes instrumentos não são regras ou imposições legais, mas documentos oriundos da decisão dos envolvidos (iniciativa particular) em planejar suas relações, o que, a princípio, não pode ser obstado pelo Estado.

Destarte, conclui-se que a contratualização das relações afetivas é mais um reflexo da fragilidade do Direito de Família codificado do que a transformação do afeto em contratos. A busca cada vez maior por estes documentos de planejamento e resguardo patrimonial visa preservar direitos e evitar conflitos futuros face a uma legislação que não consegue acompanhar as mudanças diárias deste ramo do direito sensível ao dia a dia.

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Renan De Quintal é advogado pós-graduado pela Escola de Magistratura do Paraná (Emap), especializado em Direito Aplicado e Processo Civil e membro da comissão de Direito da Família e Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), pela subseção de Londrina.