Do topo virtual da minha idade vou divisando, até onde a vista alcança, os caminhos que percorri, as encruzilhadas pelas quais passei, as veredas surgidas, rotas que até aqui me trouxeram e ora me encontro. No empenho de uma visão mais acurada, verifico que muitas vezes fui levado pelos percalços e conjunturas a nortearem minha trilha, em vez da vontade própria que não prevalecia. Vejo-me assim, mais um produto das circunstâncias do que de ações livres e próprias.
A vida torna-se nossa quando deixamos a casa paterna e saímos para o mundo, às expensas do cabedal que amealhamos durante os anos em que fomos filhos. Filhos na plena acepção do termo envolvendo a obediência, a disciplina, a "mesada", toda a gama do relacionamento familiar.
Uma realidade que deve ser assimilada como parâmetro, assim acontecida não só comigo mas com meus colegas de turma, 34 na colação de grau de 1943, hoje reduzidos a sete.
Quando moço tive um amigo que interpretava a vida como um "golpe de sorte". Jungido a essa convicção terminou o ginásio e, interrompendo os estudos, permaneceu fumando e esperando uma loteria, uma Mega-Sena, um primeiro prêmio. Mas a fortuna não lhe sorriu e à custa de um modesto cargo público viu passar seus dias falecendo precocemente, transtornado pelo álcool.
Além dos citados aspectos conjunturais que influem na vida de cada um, contrariando as próprias idealizações, deve se agregar ao "destino" algo de indefinido, uma espécie de "mão de Deus" surgida do além para pôr as coisas no lugar.
Diante de tal premissa lembro alguns pares dos meus bancos acadêmicos. Evoco de primeiro, a título de homenagem, o meu dileto amigo Alcir Cornelsen, o Cizico, com o qual privei dos seus 12 aos 88 anos, idade com que faleceu na semana passada. Juntos percorremos o primário, o Atheneu, a Escola de Instrução Militar 350, dois anos de pré, seis de Faculdade acrescidos de uma especialização cirúrgica no Rio, quando dividimos um quarto de pensão na Rua Paysandu, n.º 57, em 1944. Na volta, segundo as tradições da época, o doutor Alcir procurou uma cidade do interior para seu início. Peregrinou de norte a sul do Paraná, de Rio Negro a Apucarana, sem encontrar algo que o seduzisse. Buscou alternativas nos hospitais de nossa capital, sem sucesso.
E "quando ninguém supunha, que surpresa", o Dr. Alcir ingressa na Polícia Militar, para uma das mais ilustres carreiras da Corporação. Único cirurgião geral, entre os doutores, meu colega encontrou tudo o que sonhava: um ambiente todo seu, com clientela certa e numerosa, o que se adequava aos seus ímpetos de trabalho e realização. Assim chegou ao posto de coronel-chefe do Serviço Médico. Na Reserva, admirado por seus pósteros, era convidado distinto em todas as solenidades oficiais da tropa.
Agostinho Saldanha Loyola, a mais generosa figura da turma, teve o mesmo trajeto inicial atendendo nos Campos Gerais e em Antonina, até se fixar como sanitarista na Secretaria de Saúde onde desenvolveu uma longa e brilhante trajetória até a aposentadoria. Lúcido, atencioso, educado, representou a figura certa no lugar certo, para os êxitos do sanitarismo no estado. Por seus méritos, foi levado a membro honorário da Academia Paranaense de Medicina e Conselheiro da Cruz Vermelha do Paraná.
Orlando Theodorico de Freita, um dos ases da "Petit Carneiro", iniciou com um laboratório em Londrina. Quando eu morava em Castro, era comum me pedir sapos para suas pesquisas. Mandava-os às dezenas, tanto eles abundavam à noite pelas margens do Iapó. Não insistiu muito nessa lida, que não era a sua. Tornando a Curitiba, foi catedrático da Faculdade de Medicina, mestre pontual e competente.
Bartholomeu Bartholomei, o mais inteligente do grupo, não teve dúvidas. Foi de imediato para a Santa Casa de São Paulo, onde no Pavilhão Fernandinho tornou-se um dos maiores nomes da ortopedia e traumatologia do país.
Mário Groeger, protagonizou um caso à parte. Em temporada na Ilha do Mel namorou uma loura, Enite, filha de um oficial da marinha. Em função desse romance, fez concurso para a Força do "Cisne Branco em noites de lua". Uma idéia jamais alimentada, mas bem-sucedida, levando-o ao posto de Almirante.
Milton Sthaudoar ao contrário dos demais que perseveraram na profissão, transferiu-se para arqueologia. Radicado em São Paulo, na única e última vez que veio a uma reunião da turma entusiasmou os colegas com seus achados de tumbas, esqueletos, múmias, dinossauros, frutos das escavações que fazia.
Hilda Frischman, colega de notória personalidade, franca e convicta nas suas idéias exerceu funções públicas com denodo e eficiência, até a aposentadoria.
Médicos ilustres povoaram nossas salas: Eduardo Correia Lima, reitor e professor; Alceu Santos de Almeida, pneumologista; Ayssor Jamur, clínico geral; Heraldo Mello, radiologista; João Fleuri da Rocha, urologista; Loth Garcez do Nascimento, diretor da Judicimed; David Xavier da Silva, diretor da Secretaria de Saúde; Nelson Roseira Gomes, professor da Faculdade. No Interior: Eloy Pimentel, Elias Avais Neto, Jovino Lima Júnior, Homero Gasparelo. Em outros estados: Marcos Iankilevitch Nalmir Moreira, Eleonora Godo Rocha.
Turma distinta, sem personagens para destoar ou reparar, mas muitos deles levados a carreiras que jamais consideraram em seus anseios de acadêmicos.
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