Um problema recorrente em contratos administrativos, sob a óptica das diversas leis anteriores que se sucederam, são as constantes rupturas do equilíbrio econômico-financeiro das contratações. As razões são as mais diversas e, na maioria dos casos, decorrem de desídia do ente promotor da licitação na sua fase preparatória. A administração pública, em geral, prepara mal suas licitações, adotando projetos defasados, ignorando técnicas mais modernas de execução dos serviços de que necessita e fornecimento dos bens que pretende, não atentando aos requisitos e licenças ambientais que travam a continuidade dos contratos, dentre outros diversos motivos.
Na maioria desses casos, o maior prejuízo é para o contrato, que acaba suspenso ou postergado. Por consequência, é atingido o particular contratado, visto ser quebrada a equação econômico-financeira do contrato. Isso acaba prejudicando a sociedade em geral – que fica privada do produto final, que é objeto dos contratos administrativos – e, em especial, as empresas privadas contratadas.
A Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) contém dispositivos que pretendem facilitar a solução desses problemas (quando eles ocorrerem) e colaborar para a maior fluidez da execução dos contratos administrativos. Um desses dispositivos é o artigo 115, parágrafo 1.º, que estabelece que a administração pública está proibida de retardar imotivadamente a execução da obra ou serviço contratado, inclusive na hipótese de troca de chefia do Poder Executivo ou de novo titular do órgão ou entidade contratante.
Recorrentemente eram observadas – antes do advento da Lei 14.133/2021 – situações de suspensão dos contratos administrativos ou de parcelas deles, decorrentes de fragilidades dos projetos (constatadas tardiamente pelos entes públicos apenas durante o andamento dos contratos), falta de liberação de recursos financeiros para as etapas subsequentes, necessidade de substituição de materiais por outros equivalentes etc. Via de regra, nestas situações, o ente público portava-se com absoluto descaso aos direitos do contratado privado. Os contratos permaneciam tacitamente paralisados e nem sequer os custos indiretos das empresas eram remunerados.
Ou seja, o particular contratado permanecia com sua estrutura operacional, técnica e administrativa à disposição do ente contratante, equipamentos parados, materiais estocados, tudo isso sem remuneração. Com isso, era aumentado significativamente o custo final daquele contrato para o particular, sem receber a contraprestação proporcionalmente.
As situações em que ocorriam suspensões injustificadas também eram vistas nos primeiros meses de posse de novos governantes. Tornou-se “regra” paralisar pagamentos de todos os contratos administrativos em andamento, para o “novo governo” tomar conhecimento de todos os contratos celebrados.
A Nova Lei de Licitações preocupou-se em reprimir expressamente essa prática (diga-se, aliás, absolutamente ilegal, independentemente de vedação expressa na legislação anterior, eis que a pessoa jurídica contratante não se altera quando da troca de um governante ou dirigente). A modificação do agente público ocupante do cargo de gestão da entidade contratante em nada reflete nas obrigações contratuais assumidas anteriormente com algum particular contratado.
O expediente da suspensão imotivada dos pagamentos dos contratos (sem o devido processo legal), portanto, é completamente ilegal e fere, inclusive, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/91), em seu artigo 11, inciso I, podendo levar à responsabilização pessoal do agente público pelas perdas e danos causados ao particular contratado que foi prejudicado.
Veja-se que esse expediente de suspensão unilateral do contrato administrativo, tácita ou expressamente, pelo ente público obriga à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro perdido. Isso é regra clara da Lei 14.133/2021, em seu artigo 130, que estabelece que, no mesmo ato que implicar alterações contratuais geradores de passivos não previstos inicialmente, a administração tem o dever de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro contratual.
A intenção do legislador foi evitar os intermináveis expedientes administrativos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro em que os entes públicos, além de postergarem as análises, em muitas vezes ao final não reconhecem os passivos que eles próprios geraram aos particulares.
Se nos dias atuais o governo reclama, aos quatro cantos, do volume de precatórios decorrentes de condenações judiciais, daqui para a frente ele deveria pensar em atuar mais eficientemente para a composição amigável dos litígios (em especial os relacionados a contratos administrativos, eis que os precatórios não refletem apenas discussões tributárias ou previdenciárias), especialmente aqueles que ainda não estão judicializados. A conta certamente seria menor para o poder público, e também mais adequada para o desenrolar dos contratos administrativos.
Dito isso, e ainda nesse contexto de recomposição de rupturas do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, não se pode deixar de mencionar a previsão do artigo 131 da Lei 14.133/2021, que estabelece que o reequilíbrio pode ser concedido mesmo após extinto o contrato, devendo ele ser apenas requerido durante a sua vigência. Essa previsão é importante, pois em muitos casos a administração valia-se da extinção do contrato como óbice formal para a concessão de reequilíbrio. Além de a justificativa passada ser ilegal, ela nem mesmo existe mais, devendo o pagamento do reequilíbrio ser formulado por termo indenizatório ao particular contratado, nos casos de contratos já extintos. O novo regime de licitações assimila, portanto, a jurisprudência do TCU sobre o assunto, consubstanciada no Acórdão 4.365/2014, da 1.ª Câmara, que teve como relator o ministro Benjamin Zymler).
Como se vê, a Nova Lei de Licitações veio para tentar modernizar (ou reorganizar) a legislação anterior esparsa sobre diversos aspectos envolvendo os contratos administrativos. Se corretamente aplicada pela administração pública, ela poderá contribuir (e muito) para o andamento dos contratos e a redução de litígios. Ao menos é o que se espera!
André Bonat Cordeiro é mestre em Direito Administrativo.
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