Nem me lembro de quando a vi pela primeira vez, mas sei enumerar com muitos detalhes ao menos cem ocasiões em que compartilhamos sorrisos, abraços, lágrimas e brincadeiras. Sei dizer em quais momentos da minha vida fragmentada precisei correr para um colo e era o dela que me aguardava, sólido e caótico como só pode ser mesmo o colo da amizade.
Foi entre os cadernos e lápis de cor que eu e ela estabelecemos um pacto silencioso que dura até hoje. Estaríamos juntas, ainda que a milhares de quilômetros de distância, ainda que não nos encontrássemos por meses ou anos a fio, ainda que nem nos falássemos e acabássemos trocando apenas piadas pela internet na maioria dos dias. Porque assim são as amizades que nascem nos bons anos da infância. Elas permanecem ali, ao seu lado, mesmo que a velocidade da vida cotidiana sufoque os contatos frequentes e profundos.
Só crianças da mesma idade que a nossa possam compreender as dificuldades de ser quem somos, uma lição que os adultos parecem esquecer ao longo dos anos.
É na escola que nascem essas amizades, na maioria das vezes. Há algo no ambiente escolar, uma magia que corre entre as carteiras de madeira e os corredores cobertos de cartazes com letras, números e trabalhos feitos por crianças de todas as idades, algo que permite o nascer e crescer de conexões humanas e sociais muito superiores a qualquer outra que se conquiste na vida adulta. Talvez porque ter alguém com quem dividir os desafios da jornada escolar torna tudo muito mais fácil. Talvez porque só crianças da mesma idade que a nossa possam compreender as dificuldades de ser quem somos, uma lição que os adultos parecem esquecer ao longo dos anos. Talvez porque só nessa época tenhamos toda a pureza de nossa condição humana toda à disposição de nossos corações e cérebros.
Encontramos muitos amigos depois disso, é claro. Alguns nos acompanham pelo resto da vida, enquanto outros se limitam a algumas fases ou períodos. Há aqueles que fazemos na faculdade, no trabalho, na aula de pilates. E sua lealdade é, por vezes, muito verdadeira e duradoura. Nenhum deles, no entanto, tem o frescor daqueles que conhecemos na escola, quando tínhamos ainda tudo a descobrir, e que nos acompanharam em muitas dessas descobertas.
É com eles que aprendemos a resolver aquelas contas matemáticas que pareciam impossíveis em um primeiro momento, mas também a resolver os pequenos nós da existência, que se tornam mais e mais apertados conforme crescemos. É com a companhia deles que conseguimos absorver um pequeno universo de palavras, expressões e frases que se tornam úteis para escrever as redações dos vestibulares, mas também para escrever as linhas subsequentes de nossa história.
Essa é a beleza das amizades que os muitos anos letivos nos dão. Elas nos permitem florescer quando ainda não passamos de pequenas sementes de ideias e personalidades. São elas que nos trazem o terreno fértil e a água fresca de que precisamos para fazer crescer dentro de nós aqueles que seremos no futuro próximo – e no distante, também.
Pode ser que esses amigos durem para sempre, pode ser que acabem assim que o ensino médio se encerrar, pode ser que se mudem de cidade com suas famílias e percam o contato conosco, mas isso não importa. O importante é que eles existam e que tenhamos a oportunidade de dividir com eles o início da nossa caminhada neste mundo. Para que guardemos conosco a autenticidade dessas primeiras trocas de experiências. E para que eles também guardem consigo lembranças de dias de que nós mesmos poderemos nos esquecer. No meu caso, tenho a alegria de saber que minha grande amiga de escola seguiu sendo minha grande amiga vida afora.
Tatiane Sprada é assessora pedagógica do Sistema Positivo de Ensino.
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