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Finalizando esta trilogia de artigos sobre as virtudes, desejaria agora comentar algumas ideias sobre a fortaleza e a temperança. Esse próximo hábito que iremos discorrer é a chamada virtude do “bem árduo”, do bem que é de difícil consecução, é a virtude da fortaleza, do grego andréia. Este bem árduo é um bem reconhecido pela razão e nenhum bem físico vale o bem da razão. Portanto, é a virtude que mantém firmemente a vontade do estudante no bem da razão, enfrentando todos os males que porventura venham a se opor e, ao enfrentar e vencer os males mais graves, certamente enfrentará e terá êxito nos menores.
Segundo Santo Tomás, temos dois grupos de obstáculos que nos impedem de realizar o bem e a obra prudente e justa. O primeiro grupo são as realidades e bens particulares que nos causam deleite e prazer, afastando-nos da reta razão. E o segundo são realidades que se interpõem à realização do bem com algo difícil de ser ultrapassado, ou seja, a vontade humana que possui uma desordem é obstaculizada ou por um apetite desordenado de um bem ou pela fuga desordenada de um mal.
Na família será ensinada a noção do mal e sua realidade, quando a educação ignorar a realidade do mal, certamente não empreenderá os seus fins adequados. E essa realidade do mal não pode simplesmente ser escondida e as dificuldades postergadas, acreditando que o filho terá em seu crescimento, e o passar do tempo, a possibilidade de fortalecê-lo. Na verdade, a virtude da fortaleza tem em seu sentido geral o fortalecer o ânimo para poder eliminar os obstáculos que retraem a vontade de seguir o ditame da razão.
É preciso entender que o temor é uma paixão humana, podemos dizer que é uma reação natural do apetite irascível diante dos males da vida cotidiana. Entretanto, o fugir do perigo ou dos males, por vezes, não será uma opção. O controle desse temor se inicia em pequenas doses com as crianças para que elas possam ir se desenvolvendo e enfrentando novos desafios e, principalmente, entendendo o porquê daqueles desafios para elas. E é preciso entender que só controlando os males exteriores se poderá futuramente enfrentar os males da alma. É preciso controlar o temor, evitando que se torne desordenado, como também o amor pelos bens particulares venha a se tornar desordenado, fazendo com que as coisas sejam consideradas mais importantes do que as pessoas.
O agir moral é um caminho para o bem e para a felicidade, tendo o ser humano agido de maneira boa vai tornando-se bom, pois ao agir bem vai, pelo hábito, tornar-se bom e dono de si mesmo
Enfim, a virtude em questão deve levar os estudantes a resistirem aos temores e perigos, não os atacar. Deve suportar as penas e os trabalhos necessários à realização do bem, mas sem uma impavidez própria da falta de amor, da soberba de ânimo ou da loucura, também sem se deixar conduzir por uma audácia desmesurada e aqui entra a virtude da prudência, já comentada anteriormente. A fortaleza ajudará a entender os perigos e não os enfrentar de maneira arrogante, nem a fazer ataques irreflexivos contra eles. Não é fugir simplesmente da dor, do medo, mas evitar que o medo a force ao mal ou lhe impeça a realização do bem, isto é, evitar que a razão fique absorvida e dominada pelas dores sensíveis ou do medo.
É bom ficar claro que ter a virtude da fortaleza não é ficar vivendo perigosamente, mas é uma força interior que deixa forte e que mantém aquele que vive em uma atitude sempre reta, suportando e resistindo aos obstáculos que surgem e que levariam a pessoa a sucumbir ou retroceder. Essa virtude tem relação direta com a tolerância de qualquer adversidade, desde as mais particulares e domésticas até as grandes obras em prol do bem comum, chegando também aos perigos da morte.
Por fim, falaremos sobre a última virtude cardeal. O psiquismo humano, desde os filósofos gregos, mostra uma antropologia clara e apresenta as faculdades do irascível e do concupiscível que existem no corpo físico. Sobre o irascível vimos a necessidade do desenvolvimento da virtude da fortaleza, mas agora para controlar o concupiscível, necessitamos da sofrosine, que é a virtude da temperança, pois a pessoa desenvolve primeiro as potências sensitivas e sem uma correção destas não será possível obter a retidão da vontade e a clareza do entendimento ou da inteligência.
Mercedes Palet nos apresenta uma definição, dizendo que a virtude da temperança tem o sentido e a finalidade de ordenar as ações efetuadas sob o impulso das paixões do apetite concupiscível; isto é, do amor e do ódio, do desejo e da aversão, do gozo e da tristeza; algumas vezes lhes colocando freio e sujeitando-os, mas, outras vezes, respeitando e favorecendo sua atividade, e sempre buscando, no conjunto de sua ordenação, seguir a razão e a vontade em seu mandato.
Assim, essa virtude cardeal é aquela que impõe uma regulação no apetite concupiscível do ser humano. É uma regulação dos prazeres mais veementes que são os referentes à nutrição e à geração. O temperante ordena o próprio eu, modera os desejos e os deleites de coisas que fazem parte do dia a dia pessoal como indivíduo e esse controle reverte sobre a pessoa que a exercita.
Santo Tomás nos apresenta um ponto interessante no qual o bem é mais forte que o mal, como mostra Dionísio. Ora, o prazer é desejável por causa do bem, que é o seu objeto, enquanto a fuga da tristeza é por causa de um mal. Portanto, é mais forte o apetite do prazer que a fuga da tristeza. Dessa maneira, há um desejo natural e a autêntica educação da temperança não é a eliminação desse desejo, nem o afastamento dele, mas é um entendimento de que alguns desejos se opõem à razão, impedindo o perfeito entendimento e a busca do bem ficará comprometida. Assim, a temperança não se opõe a inclinação natural do homem, se não que atua de acordo com ela, e, por outro lado, se opõe à inclinação bestial, não sujeita à razão.
A busca da felicidade não é uma busca do prazer e essa confusão ocorre na nossa sociedade atual. O agir moral é um caminho para o bem e para a felicidade, tendo o ser humano agido de maneira boa vai tornando-se bom, pois ao agir bem vai, pelo hábito, tornar-se bom e dono de si mesmo. A grande finalidade desse hábito é colocar a pessoa dentro da consciência de que está sabendo o que faz e quando se educa na temperança ela toma consciência da realidade de sua desordem passional e, voluntariamente, consegue ordenar as paixões e retificá-las quando necessário. Parece-nos claro que essa virtude deve ser a primeira a ser buscada no desenvolvimento dos hábitos, tendo em vista o controle que desempenha na inteligência e na vontade.
Fazendo agora uma reflexão geral sobre todas as virtudes cardeais, verificamos que elas constroem a estrutura moral da criança, do jovem e do adulto, e contribuem para o aperfeiçoamento moral do ser único que é a pessoa humana, mostrando que a educação virtuosa deve ser sempre individual. As virtudes são fundamentais para uma boa educação e identificamos que o local para o desenvolvimento desses hábitos essenciais ao ser humano é o lar. A escola, ao longo do tempo, sempre veio como um auxiliar da tarefa educacional e com o declínio que vemos atualmente, esta não tem mais capacidade de educar, pois não desenvolve as virtudes, apenas é capaz do ensino, o qual, por sua vez, está direcionado apenas para o mercado de trabalho.
Uma conclusão sobre a virtude da prudência é que ela é a mais necessária para o desenvolvimento do ser humano pleno e a família, por ocupar o posto intermediário entre o indivíduo e a comunidade política e social, tem a obrigação especial de transmitir esse hábito. Claro está que os pais devem ser pessoas virtuosas, formadoras de uma família virtuosa para poderem propiciar a aprendizagem da prudência aos seus filhos. Aristóteles há muito tempo nos disse que o ser humano é um animal social e “mesmo o homem bom deverá viver em companhia de outros” e “o homem feliz necessita de amigos”, e a prudência está dirigida a todo o agir humano, cabe a família educar os filhos neste hábito fundamental.
Se inicia com uma sincera amizade, um educar com amor e dedicação mostrando uma união entre mestre e discípulo, entre pais e filhos. As experiências devem ser acompanhadas de orientação intelectual, conselho e juízo prudente dos pais, sem a qual não haverá aprendizagem. Uma educação ótima começa com a memória do passado, a inteligência do presente, a sagacidade na consideração do futuro, a hábil comparação de alternativas e a docilidade para assentir à docilidade dos maiores. Não podemos esquecer que um grande obstáculo à educação da prudência é a desordem das paixões.
Concluindo sobre a justiça, Tomás de Aquino apresenta uma verdade que é “todas as virtudes que se referem a outro podem, por tal coincidência, vincular-se à justiça”, e nesse sentido o local natural onde se pode adquirir este hábito, dando uma conformação a ação justa do filho é no berço da família, que é a comunidade onde são expressadas as primeiras e mais decisivas relações interpessoais do indivíduo. Esse lugar que chamaremos lar deve ser o local onde, com amor salvífico e benéfico dos pais à educação, o coração dos filhos recebem as primeiras atividades de uma reciprocidade amorosa. Sendo orientados e ordenados pela ação educativa dos pais na vida cotidiana da família, os filhos adquirem o hábito da virtude cardeal e iniciando a aquisição das outras virtudes sociais como a piedade, a observância, a obediência, a gratidão, a verdade, a afabilidade e a liberalidade.
Retornando à virtude da fortaleza e correlacionando ao convívio familiar, é no atuar exemplar dos pais que os filhos recebem a fonte da prudência e da justiça, os quais vêm a orientar e retificar o atuar voluntário da prole. Esse agir exemplar não pode prescindir de dois elementos necessários ao hábito da fortaleza, que são a paciência, para que o ânimo não se deixe abater pela tristeza ante as dificuldades e o outro é a perseverança para que o homem, aguentando continuamente as dificuldades, não se canse a ponto de desfalecer. Em grego, essas duas virtudes têm o mesmo nome, hipomoné. A fortaleza oferece ao filho uma segurança, paciente e perseverante, diante do mundo.
No âmbito da temperança, a necessidade da família se faz importante no sentido da aquisição do senso de vergonha, pois a pessoa se envergonha mais por seus atos torpes e indignos, diante daqueles amigos mais próximos. A virtude da honestidade é condição para a temperança e mostrar que o horror ao torpe, o senso de vergonha, é, como que, um primeiro cimento dessa virtude para dispor convenientemente o ser humano.
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O excesso de concupiscência assemelha-se à criança sob um tríplice aspecto: em primeiro lugar, porque a criança, assim como a concupiscência, não obedece imediatamente à razão; em segundo lugar, porque tanto a criança como a concupiscência, se forem atendidas em seus caprichos, aumentam em seus desejos, e, por último, porque ambas se emendam quando são corrigidas. Por isso é necessário oferecer resistência à concupiscência para que essa fique reduzida a devida ordem da honestidade.
É neste ponto que podemos vislumbrar a ação educativa da família, a qual poderá oferecer uma amorosa e justa “resistência” aos desejos da criança. Essa resistência se consegue pelo hábito virtuoso da humildade, que é aprender a ter-se por aquilo que realmente é e a refrear a si mesmo para não desejar aquilo que é superior a ela. Essa educação familiar deve prever que se observe a virtude da humildade no exercício do reconhecimento agradecido de tudo o que se é e tudo o que possui. Os genitores, particularmente as mães, conhecem melhor os seus filhos e possuem as condições para verificar se os comportamentos externos são fingimentos ou verdadeiramente honestos.
Correlatos à virtude da temperança, temos afabilidade, veracidade, modéstia e estudiosidade, todos esses hábitos têm sua gênese no útero familiar. São Tomás adverte que as crianças precisam também de diversão, como os adultos também, e elas precisam aprender a divertir-se, porque perseguem os prazeres, precisando controlar o apetite concupiscível, e precisam saber usar o jogo e os entretenimentos em função do fim que lhes corresponde, qual seja o recreio da alma.
Só com seu amor e seu atuar exemplar, os pais tornar-se-ão ante seus filhos aquela personificação do Ideal de ser humano e só com uma disciplina forte arrastará as crianças e jovens para o esforço próprio para seu autodomínio. Nunca esquecendo o que já comentamos sobre a educação ser dedicada particularmente a cada filho dentro das necessidades particulares e, com isso, exigirá um esforço, tempo, atenção, paciência, flexibilidade diante das peculiaridades de cada um de seus filhos.
Por último, quero falar algo ainda sobre o concupiscível, porque muitos psicólogos educacionais estão dando muita importância à sexualidade, considerando o ponto central da adolescência, entretanto, isto está equivocado. Os desenvolvimentos sexuais ocorridos nessa fase não devem ser desprezados, mas estão longe de ser o foco principal. Assim, o valor educacional central aqui é a formação do caráter do jovem, não apenas um só aspecto dele.
Claudio Titericz, coronel da reserva do Exército Brasileiro, é bacharel, mestre e doutor em Ciências Militares, bacharel em Teologia, estudante de Filosofia da Educação, ex-diretor de Programas da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação e um dos fundadores do Instituto de Biopolítica Zenith. É autor do livro “O problema da educação brasileira”.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos