Os brasileiros têm uma sensação de avanços reais nos últimos 20 anos graças à conquista da estabilidade econômica (leia-se controle da inflação) nos anos 90; e, depois, por causa da estabilização e das políticas sociais, graças à inclusão social, que tirou da miséria milhões de brasileiros que passavam mais fome do que passam hoje. Antes, nos anos 80, conquistamos a volta à democracia, com direito a escolher nossos governantes, e nem por isso, melhoramos a qualidade deles, que parece não ter conserto. Mas a sensação de poder escolhê-los nos conforta. Por isso, os três momentos que já tivemos democracia, estabilidade e inclusão social hoje nos dão uma sensação de avanços no país. Dessa maneira, a nossa "nova classe média", com mais de 100 milhões de pessoas (metade da população brasileira), ascendeu ao consumo de bens e serviços e por isso se sentiu melhor.
Contudo, a sensação desses avanços reais já não é mais suficiente, e começa agora a aflorar uma outra e mais importante necessidade: a ascensão à cidadania, pois esses avanços não reduziram a desigualdade social, uma vez que o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo (entre os países do G-20, estamos no penúltimo lugar). Apenas alguns poucos indicadores: em pleno século 21, metade dos domicílios brasileiros tem esgoto a céu aberto; a educação básica e a saúde públicas estão em situação deplorável, de modo que as famílias são forçadas a pagar escolas privadas e planos de saúde particulares que consomem grande parte de suas rendas; o transporte coletivo é um pesadelo diário; a insegurança convive com todos nós, pobres e ricos, que vivemos trancados em muros com cercas elétricas, arame farpado, câmaras por todos os lados e, mesmo assim, estamos sem segurança; um terço dos egressos do ensino superior tem status de analfabetos funcionais e o Brasil não tem nenhuma universidade entre as 200 melhores do mundo.
Por tudo isso, em junho do ano passado, as manifestações populares afloraram em todo o país e foram um dos momentos mais esperançosos para que as coisas mudassem. Por alguns instantes, nossos políticos passaram a ter medo da população. Veja o caso do governador do Rio, Sergio Cabral, que não mais aparece em público nem frequenta restaurantes, com medo das manifestações. É isso mesmo: precisamos fazer essa gente nos respeitar.
Não se trata de falta de recursos, pois nossos governos ficam com 36,5% do PIB em impostos (trabalhamos cinco meses só para pagar impostos). É um problema de gestão e de comprometimento com a população. Afinal, há dinheiro para pagar R$ 248 bilhões somente em juros, como em 2103; comprar uma nova frota de jatos supersônicos suecos; licitar a construção de um trem-bala de R$ 40 bilhões (que depois, soubemos, ficará muito mais caro); bancar um programa de submarinos nucleares de R$ 16 bilhões; subsidiar grandes empresas (no estilo Eike Batista e como a JBS) que mandam e desmandam no BNDES, que pagam juros abaixo da inflação. É uma verdadeira Bolsa Empresário, cujo valor equivale a mais de dez vezes o Bolsa Família.
Por tudo isso, o próximo grande desafio para os brasileiros é o da cidadania, em que cada cidadão será respeitado, independentemente de sexo, raça, credo ou status social, e terá as mesmas oportunidades e um mínimo de equidade nas condições iniciais, como uma boa educação básica. O maior problema brasileiro tem a sua origem na desigualdade de oportunidades que não permite a autorrealização pessoal e profissional. Vamos, daqui para a frente, lutar pela cidadania; mas, para tanto, precisamos mudar os tipos de políticos que temos. A tarefa não é fácil. Mas, se não mudarmos, seremos eternamente um país injusto.
Judas Tadeu Grassi Mendes, Ph.D. em Economia, é diretor-presidente da Estação Business School.
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